quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Boas compra$!

Enio Moraes Júnior

Recentemente reli e discuti com os meus alunos de jornalismo e publicidade um texto que acho particularmente intrigante, especialmente nesta época de consumo de Natal em que as TVs, jornais e a internet estão invadidas por propagandistas e celebridades que anunciam e vendem de tudo: de cartões de crédito a detergente, de fixador de dentadura a apartamentos em condomínios luxuosos. E o pagamento? “Só em janeiro, só em janeiro!”.

No texto, sem deixar dúvidas quanto ao seu ceticismo, o influente cientista político Benjamim Barber discorre sobre a nova forma de organização da sociedade contemporânea – a globalização – personificada em um McWorld em que predomina uma cultura de consumo e mercado que uniformiza os indivíduos e na qual a informação e a administração têm amplos poderes.Mas o que chama minha atenção é o conceito de Privatopia. Numa evidente alusão à Utopia de Morus, Barber fala de uma sociedade em que a cultura mercadológica e os meios de comunicação reforçam um estilo de vida em sociedade em que minorias (consumidores) vivem à margem da maioria. Nessas novas ilhas paradisíacas, o consumidor sobrepõe-se, e praticamente aniquila, o não-consumidor.

Para Barber, a ideologia é substituída por uma videologia. Ou seja, o conflito das ‘relações de forças’ é substituído pela ‘força de sedução’ da imagem. A realização dessa vida privatopizada, seduzida pela referência videológica tanto do jornalismo como na publicidade, é constantemente reforçada em todos os canais da TV, na internet e nos jornais o tempo todo, mas a sua forma mais concreta talvez sejam os shoppings centers, especialmente abarrotados nos finais de ano por consumidores vorazes.

Estimulados pelas cores, enfeites e laçarotes natalinos – parte pulsante da videologia – lá vão eles (ou nós?) rechear seus (ou nossos?) privatopos de novidades e arrogância. Com todo esse clima eufórico de consumo, mal nos sobra tempo para lembrar o significado religioso do Natal (também de forte carga ideológica, diga-se de passagem). E aí me vem à mente o bom Frei Betto que, ao comparar a igreja ao shopping center, observa:

Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, adquirem status construindo um shopping center. É curioso: 90% dos shoppings centers têm linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles, não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. Entra-se naqueles claustros, observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo acolitados por belas sacerdotisas ao som da musiquinha do gregoriano pós-moderno. Quem pode comprar a vista, sente-se o reino dos céus. Se tem que fazer pré-datado, pagar a crédito, então sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno: ‘Sou um desgraçado’. Felizmente, terminamos todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, como o mesmo suco e o mesmo sanduíche do McDonald’s (...).

Enfim, meu caro ou minha cara, brindemos aos nossos umbigos e boas compra$!!!

BARBER, Benjamim. Cultura McWorld. IN: MORAES, Dênis de (Org.). Por uma Outra Comunicação. Rio de Janeiro, Record, 2005.

BETTO, Frei. Crise da Modernidade e Espiritualidade. IN: VERISSIMO, Luiz Fernando (entre outros). O Desfio Ético. Rio de Janeiro, Garamond: 2000.

sábado, 16 de setembro de 2006

Para ver, ler e pensar

Enio Moraes Júnior


Da obra de Guimarães Rosa. Museu da Língua Portuguesa, São Paulo.

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

Da cidadania, do mundo e das pessoas

Enio Moraes Júnior

“Vocês precisam ler jornais. Vocês vão entender melhor o mundo e as pessoas”. Talvez não fossem essas palavras, mas era esse conteúdo que repetia incansavelmente o meu professor de graduação em Jornalismo na Universidade Federal de Alagoas, em Maceió, Amilton Gláucio, quando eu estava ainda no início do curso nos anos 90.
Menos de quatro anos depois, Amilton era meu orientador de trabalho de conclusão de curso e nos tornamos amigos. Com o curso concluído, eu havia lido bastante e estava saindo da faculdade entendendo muito pouco sobre “o mundo e as pessoas”. Conversei com ele sobre minha insatisfação e fui convencido de que “compreender” não significava um caminho linear, mas uma estrada cheia de curvas que precisava ser seguida com uma atenção constante e permanente. Amilton indicou-me alguns autores. Não lembro ao certo quais foram, mas entre eles estava a filósofa alemã Hannah Arendt.
Comecei a me interessar por Política e a me apaixonar por discussões que envolviam cidadania, democracia e direitos humanos. Fui fazer uma especialização em Jornalismo Político e Econômico. De alguma forma, estava cada vez mais entendendo “o mundo e as pessoas”, como Amilton havia sugerido.

Jornalismo como exercício de cidadania

Pouco tempo depois fui convidado para lecionar no curso de Jornalismo da Universidade Tiradentes, em Aracaju, onde havia cursado a especialização. Foi o momento de discutir e apresentar uma noção de jornalismo inspirada na cidadania. Percebi que esse conceito influenciava não só a minha conduta de vida, mas pautava decisivamente o meu padrão de jornalismo, minha prática em sala de aula e minha relação com os meus alunos. Tornei-me professor da Universidade Federal de Sergipe, assumi a Diretoria Acadêmica do sindicado dos professores da instituição, e estava cada vez mais claro que a cidadania era o meu caminho para entender “o mundo e as pessoas”.
Decidi torná-la tema do meu mestrado. Na Escola de Comunicações e Artes da USP, no início do mestrado que resultou na dissertação A Formação Cidadã do Jornalista no Brasil: um estudo de caso da formação do jornalista na USP, que defendi há cerca de três meses, o professor José Coelho Sobrinho, meu orientador, falou em uma das primeiras aulas sobre um autor que eu pouco conhecia: Carl Rogers. Achei que aí sim, com ajuda do Coelho e do Rogers poderia ser cumprida, de fato, a promessa do Amilton e seria mais bem amarrado meu conhecimento sobre “o mundo e as pessoas”. Eu estava certo.
No mestrado, por questões metodológicas, recortei meu universo de “mundo e pessoas” àqueles que há mais de dez anos têm sido meus eixos na carreira docente: a cidadania e a formação de jornalistas. Coelho, os alunos, os professores que entrevistei para a dissertação, ao lado de autores como Arendt, Rogers, Jaime Pinsky, Manuel Carlos Chaparro e Moacir Gadotti, mostraram-me que o que Amilton havia dito era melhor do que eu pensava. Conhecer “o mundo e as pessoas” é um trabalho constante que, assim como a cidadania, requer uma luta permanente com interesses pautados nos direitos humanos e na democracia.
Na condição de jornalista e de professor de jornalismo, tenho descoberto que quanto mais pratico a cidadania no dia a dia, em sala de aula e no “batente”, melhor compreendo e mais me comprometo com o mundo e com as pessoas. Esse é o caminho por onde a vida me levou, esse é o caminho por que vou. Este talvez seja o melhor caminho para entender o mundo e as pessoas e respeitar as pessoas no mundo.

quarta-feira, 12 de julho de 2006

Aracaju, Sergipe


Característicos da região do Nordeste brasileiro, os festejos juninos – do mês de junho – são uma tradicional festa popular em devoção a Santo Antônio, São João e São Pedro. Estes festejos representam uma forma de agradecimento aos santos pela colheita e fartura na mesa dos camponeses da região, bem como um ritual de preparação para novos plantios.
As festas juninas são, enfim, uma celebração da força da terra e da vida do povo nordestino. Aracaju, capital sergipana, tem sido uma das principais sedes desses festejos na região, atraindo turistas de todo o país.
(Foto: Enio Moraes Júnior / Aracaju, 2006)

sexta-feira, 30 de junho de 2006

Penedo, Alagoas



Esta é a cidade de Penedo, no interior de Alagoas, onde tive a honra de nascer e morar até os 14 anos. É uma cidade linda, às margens do rio São Francisco, e conhecida pela imponência da sua arquitetura e pela gentileza do seu povo. Acho que nascer num lugar assim sempre ajuda as pessoas a serem mais felizes!
Há poucos dias resolvi passar por lá para fazer algumas fotos para lembrar, mostrar e orgulhar-me.
(Foto: Enio Moraes Júnior / Penedo, 2006)

domingo, 28 de maio de 2006

Ousadia De Fatto! : fazer fanzine faz diferença

Enio Moraes Júnior

Há duas ou três semanas, no início de maio, um grupo de alunos de jornalismo que está produzindo um fanzine - "Jornalismo De Fatto" (já estão na quarta edição) - convidou-me para participar como ombudsman. Avaliei o material com muito prazer, de especialmente pela inciativa do grupo e lembrei-me que, quando eu era estudante de jornalismo, há dez anos, também tive o meu jornal: "Em Aberto"(!).
Mas sem muito mais conversa, para que a iniciativa do grupo sirva de exemplo - sei que muitos dos meus alunos acessam este espaço - passo a dividir com os leitores deste blog o texto que escrevi.



O grande mérito de Jornalismo De Fatto é, sem duvida, o exercício da liberdade de expressão. Neste sentido, o jornal traz à tona diversas falas. No entanto, essas falas precisam ser contextualizadas em matérias mais bem apuradas e textos mais bem costurados. Afinal de contas, o trabalho do jornalista está pautado na difusão da notícia correta e completa, capaz de conduzir o público a agir em nome dos seus direitos.
"Raízes do Brasil" é superficial e generalista do início ao fim – “tantas dificuldades”; “gama de oportunidades” etc – e por isso o texto parece incompleto. Falta-lhe fôlego. "Drama de uma mãe" esbarra no ‘drama’ indicado no título, que fica claro no tratamento ‘chavão’ dado ao amor materno incondicional. Ao invés de reforçar o estigma afetivo, talvez fosse mais interessante discutir os caminhos para as mães reagirem judicialmente às agressões que seus filhos sofrem em infernos como as febens.
"Admirável mundo novo" traz uma entrevista com uma ex-BBB. O texto informa que a moça, moradora da periferia paulistana, teve sua imagem exposta no programa, gerou alguma discussão e saiu sem levar o prêmio. O que há de novo? Pelo contrário, a entrevista apenas reforça e reproduz as velhas curiosidades midiáticas.
O princípio do jornalismo é a notícia que gera debate e muda a vida das pessoas. Segundo o professor e pesquisador da USP Manuel Carlos Chaparro, jornalismo funde Ética, Técnica e Estética, constituindo uma tríade inseparável. Do ponto de vista estético, achei interessante os títulos adotarem referências a obras nacionais. Mas é bom nos perguntarmos até que ponto essa técnica não prejudica a fidelidade ao assunto e, portanto, compromete eticamente a informação.
Jornalismo De Fatto é uma excelente idéia que tende a melhorar à medida que amadureça seu projeto editorial e as respostas a questões como ‘o quê’ e ‘para quem escrevo’ fiquem mais claras. E isso não é querer demais, mesmo que seja de um grupo de alunos que ainda está no terceiro semestre de jornalismo, até porque eles têm mais ousadia, dedicação e coragem do que muita gente que já está organizando a formatura. Parabéns, De Fatto!

sexta-feira, 19 de maio de 2006

O bom senso de Ferréz

Enio Moraes Júnior

Esse cara é, sem dúvida, um dos sujeitos mais sensatos e sensíveis deste País. O problema da violência no Brasil vai além desse meniqueísmo manifestado nas ruas e mostrado pela mídia (não sei com certeza em que ordem).
No dia em que quisermos transformar o Brasil numa Nação, numa Pátria, de fato, teremos que adotar como princípio a sensatez de que a solução dos nossos problemas não se resume a matar ou prender uns e deixar viver outros.
Não! Chega de hipocrisia. O bucaco é mais fundo. Há bandidos que são grandes empresários do crime e outros que entraram numa cadeia por terem tido a infelicidade de roubar um pote de margarina, por exemplo, e, em prisões que não recuperam ninguém, formaram-se no crime. Há também muitos policiais honestos e que cumprem seu papel, mas há também corrupção.
Parabéns, Ferréz, pelo bom senso.

quinta-feira, 18 de maio de 2006

PCC: Mais que duzentos reais

Enio Moraes Júnior

Toda a confusão causada pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) em São Paulo teve um só estopim: duzentos reais pagos e recebidos com a idéia de que a corrupção no País é algo corriqueiro e impune. Segundo o jornal Folha de S.Paulo (18/06), o ex-funcionário da Câmara Arthur Vinicius Silva, que atuava na sala de áudio da CPI, teria vendido aos advogados do PCC Maria Cristina de Souza e Sérgio Wesley da Cunha a íntegra do depoimento sigiloso prestado pelos delegados da Polícia Civil de São Paulo Godofredo Bittencourt e Rui Ferraz Fontes, do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado), à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Tráfico de Armas.
A íntegra do depoimento, gravada em dois CDs pelo funcionário, foi vendida aos advogados pela modesta quantia duzentos reais, menos de um salário mínimo, mas cujas proporções assustariam se as conseqüências fossem medidas tomando essa mesma referência. O funcionário, técnico de som, disse que estava numa situação financeira difícil e que ganhava mal. Os dois advogados, suspeitos de terem repassado por audioconferência o depoimento a membros do PCC, podem ser presos.
No entanto, o que chama atenção nesses fatos é a ‘naturalidade’ como os acordos, as ilicitudes e os conchavos parecem ser feitos. Por trás de tudo isso, às vezes tenho a impressão de que há a certeza de que as coisas não terão maiores conseqüências e, sendo assim, a impunidade está garantida. Parece tratar-se apenas de mais um oportunismo, mais um ‘jeitinho’ para se resolver as coisas e se conseguir o que se quer – sejam os duzentos reais ou a informação sigilosa – mesmo que para isso se tenha que passar por cima da Justiça e pelos direitos dos cidadãos.
Corrupção e impunidade são como fogo e pólvora. Juntos, formam a química perfeita das explosões que há anos vêm acometendo a vida política brasileira. Licitações de obras públicas que privilegiam parentes, a naturalidade de caixas dois em eleições, vossas excelências rindo e dançando cinicamente aqui ou acolá etc.
São essas as referências que um funcionário – terceirizado – da Câmera tem para o que ele acha ser um pequeno delito. Não é isso que têm nos provado as CPIs de Brasília e parte das elites e das autoridades do País?
Ao lado de toda bandalheira instaurada pela impunidade existe muita pobreza, fome, miséria, e faltam escolas e saúde, por exemplo. Mas falta, sobretudo, exemplos a serem seguidos. Faltam homens e mulheres públicos a serem admirados. E não falo de heróis ou astros da TV, mas de instituições que estejam a serviço dos cidadãos; de pessoas que as representem.
Creio que parte dos crimes do PCC e dessas corruptelas – que são bombas que nos sobressaltam, produto do encontro inevitavelmente destrutivo da pólvora com o fogo, seja uma resposta formas de violência praticadas pelas elites econômicas nacionais e por suas representações políticas que reagem com o mais completo descaso ou faz-de-conta em relação a uma população cada vez mais miserável e sem referência de cidadania e punição. E assim dão o exemplo.
Numa sociedade onde imperam a miséria e a impunidade, esses duzentos reais pagos e recebidos valem mais que o dinheiro em si. Valem o sentimento de participar do jogo, de seguir o exemplo e por isso achar que somos tão espertos quanto aqueles que nos representam. Mesmo que não os admiremos.

quarta-feira, 17 de maio de 2006

O Brasil que tem fome

Segundo dados do UOL (17/05/06), mais de 72 milhões de brasileiros estão em situação de insegurança alimentar. Em outras palavras, 40% da população brasileira “não têm garantia de acesso à comida em quantidade, qualidade e regularidade suficiente”. Além disso, segundo o site, cujas informações vieram da Agência Brasil e foram divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 14 milhões passam fome. Vocês acham que isto é uma forma de violência? Quem violenta estas pessoas?

segunda-feira, 24 de abril de 2006

Formação Profissional: quanto custa ser jornalista

Enio Moraes Júnior

Sabendo que sou jornalista e professor de jornalismo, uma amiga que estava interessada em trabalhar na área perguntou se eu sabia quanto custava ser jornalista. Fiquei surpreso com a pergunta, especialmente pela crueza e sinceridade contida num enunciado aparentemente tão simples. Confesso que não soube responder. Rapidamente passaram pela minha cabeça alguns números, mas algo na formulação daquela questão me incomodava e achava que por mais precisa que pudesse ser a resposta, em cifras, algo estaria faltando.
Disse que pensaria a respeito e depois conversaríamos. Antes disso, fiz alguns cálculos: somando dez ou doze mensalidades de uma faculdade na faixa dos R$ 800, o ano sairia por volta dos R$ 8 mil, mas pensando em quatro anos, teríamos R$ 32 mil. Pensei na compra de dez ou vinte livros por ano, algo em torno de R$ 500, teríamos aí R$ 1,5 a 2,5 mil durante do curso. Somando transporte e lanches, chutei: R$ 2 a 3 mil. Mais uma ou outra assinatura de jornal ou revista, provedor de internet, um ou outro equipamento (como gravador, máquina fotográfica etc), um ou outro congresso: mais uns R$ 15 mil.
Como números nunca foram o meu forte, resolvi sintetizar: ser jornalista custa mais ou menos o preço de uma quitinete razoável no centro de São Paulo. Pronto! Mas havia algo na pergunta que ainda me deixava em dúvida. Alguns dias depois, minha amiga me procurou:
- E então, quanto custa ser jornalista? Estou perguntando porque, dependendo do valor, talvez eu faça outro curso...
Disse ainda que talvez cursasse Letras, Moda, Direito ou mais uma ou duas opções que não lembro agora. Fiquei surpreso com o leque de possibilidades e voltei atrás na resposta da quitinete. Observei que ao invés de perguntar “quanto custa”, deveria pensar em “o que custa”. E melhor ainda: em “o quanto vale um jornalista”.
Jornalista não se faz, apenas, jornalista principalmente se é. O sentimento de ser jornalista não se compra. Claro que a escola, a formação, o contato com as teorias e a prática laboratorial da profissão são fundamentais para o aprendizado, mas na sociedade de consumo, o sentimento da “venda” de tudo quanto é coisa conseguiu distorcer e fazer se perder, em nós, a verdadeira essência das coisas.
“Quanto custa” ser jornalista é a parte menos importante de “o que” é ser jornalista. Essa visão é importantíssima para que aqueles que pretendem seguir a carreira entendam o que estão fazendo na faculdade e possam tirar o maior proveito possível do curso, da formação e da profissão.
A primeira coisa que alguém interessado na área ou um aluno deve fazer, nesse sentido, é responder para si mesmo o que é jornalismo. Muita gente não sabe. Apesar de os diversos autores conceituarem o jornalismo de diferentes formas, cada indivíduo vai chegar ao seu próprio conceito levando em conta sua relação com seus conhecimentos de mundo, com o outro, suas experiências etc.
Pessoalmente, associo o jornalismo a um espaço de construção da cidadania em que os direitos e os deveres de cada indivíduo são preservados e defendidos. No meu entendimento, o jornalismo tem um aporte humano e ético indiscutíveis, mesmo que muito do que exista no mercado e se apresente como jornalismo tenha que ser jogado no lixo, abandonado, e pouco do que eu conceba e defenda seja efetivamente praticado.
Ainda que possa ser fomentada no espaço familiar, nas relações sociais e pelos veículos de comunicação, a cidadania tem na escola um importante campo de discussão. No caso da formação do jornalista, embora contemplada nos currículos universitários, um dos aportes mais importantes da formação cidadã está na relação que os professores estabelecem com os alunos. Foi isto, inclusive, que revelou a pesquisa de mestrado A Formação Cidadã do Jornalista no Brasil, que acabo de concluir na Escola de Comunicações e Artes – ECA – da Universidade de São Paulo. O estudo de caso da formação de estudantes de Jornalismo da ECA indicou que cidadania é mais que um conteúdo a ser ensinado curricularmente: ela é trabalhada principalmente nos referenciais pedagógicos, na didática e, enfim, na relação que o docente estabelece com seus alunos.
Respeitar o aluno como cidadão talvez seja o principal estímulo que o professor possa dar aos estudantes para que eles possam responsabilizar-se por suas vidas, por sua formação e por sua profissão. O papel do professor é fundamental para que o educando conquiste sua cidadania e saiba também o que é respeitar, do ponto de vista dessa mesma cidadania, o público da informação jornalística para o qual ele deve trabalhar e a quem, de fato, ele deve servir. Este aprendizado não pode ser expresso em valores, em cifras, mas em significado. Não há, portanto, como falar em “quanto custa”.
Nesse sentido, convenci minha amiga de que ser jornalista, empenhar-se em uma formação na área, implica num esforço permanente de respeito ao outro e ao mundo em que se vive. Implica em algumas noites sem dormir, leituras atentas – e não apenas de livros, mas das pessoas e da vida –, algumas doses de indignação, inquietação e esperança. Muitas vezes tudo isso numa quitinete – nem sempre razoável – no centro de São Paulo. Em todo caso, ser jornalista vale a pena, porque vale ‘o outro’ e um mundo melhor. Parodiando Fernando Pessoa: vale a pena, ‘a alma não fica pequena’.

quinta-feira, 13 de abril de 2006

Ensinar cidadania é ultrapassar as “grades” curriculares

Enio Moraes Júnior

O princípio da cidadania contemporânea está a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, produto das revoluções Inglesa, Americana e Francesa do século XVIII e fundamenta-se na formação dos Estados-nacionais. Hoje, no entanto, uma discussão que vem avançando diz respeito à cidadania planetária, que implica numa noção de comunidade e interação mundial em que todas as pessoas são responsáveis pelo futuro e pela vida do planeta. Assim, a cidadania ganha uma nova dimensão e passa, ainda que seja também nacional, a ser global, universal.
Ser cidadão não é apenas pertencer a uma nação, mas ter consciência de fazer parte do destino do mundo e, por isso, ter compromissos e responsabilidades com ele, seja em seus aspectos polícias, sociais ou ambientais. A cidadania implica, assim, numa interação constante e incessante entre direitos e deveres de cada indivíduo para consigo, para com o outro e para com o planeta.
Embora possa ser discutida e estimulada no espaço familiar, nas relações sociais, pelos veículos de comunicação etc., a cidadania tem na escola um importante campo de discussão. No caso específico da formação superior do jornalista, embora os currículos universitários contemplem o assunto e conceitos correlatos como direitos humanos, democracia, ética e responsabilidade social, um dos aportes mais importantes da formação cidadã está na relação que os professores estabelecem com os alunos. Foi isto que revelou a pesquisa que resultou na dissertação de mestrado A Formação Cidadã do Jornalista no Brasil, que acabo de concluir na Escola de Comunicações e Artes – ECA – da Universidade de São Paulo.
O estudo de caso da formação de estudantes de Jornalismo da ECA indicou que cidadania é mais que um conteúdo a ser ensinado curricularmente: ela é trabalhada principalmente nos referenciais pedagógicos, na didática e, enfim, na relação que o docente estabelece com seus alunos.
O cientista norte-americano Carl Rogers, que em suas pesquisas uniu psicologia e educação, já falava, nos anos 60, sobre o ensino centrado no estudante. Para ele, o aluno não poderia ser visto pelo professor como um copo vazio. Com uma clara sintonia com o pensamento de Paulo Freire, a educação rogeriana potencializa os conhecimentos e as experiências do educando.
Para Rogers, o processo de aprendizagem pode ser facilitado se o professor for ‘congruente’. Ou seja, implica que ele tenha uma consciência plena das atitudes que assume. Numa perspectiva rogeriana, portanto, o professor não seria um exercício abstrato das exigências curriculares ou um canal através do qual o saber passa através das gerações.
Tanto para Freire como para Rogers, o docente não pode ser um mero instrumento de aplicação do currículo, mas um sujeito ativo e coerente com o que ensina e comprometido com um projeto de formação que respeita o educando. A educação tomada nesse sentido tem potencializado a formação de jornalistas comprometidos com os direitos humanos, com o planeta e, sobretudo, responsáveis por sua formação e por sua carreira. Esse é, de forma geral, o melhor caminho para a formação de pessoas críticas e cidadãs.
O contrário disso seriam reprodutores das exigências de mercado incapazes de esboçar críticas à ideologia dominante e defender os interesses, de fato, públicos. Eis a pior prática do jornalismo: não aquela que corrompe propositalmente o sentido cidadão e público da profissão, mas aquela que age dessa forma por despreparo intelectual ou desaviso do jornalista.
A esse respeito o professor Manuel Carlos Chaparro, da USP, considera que, além do domínio técnico da profissão (boa redação, manuseio de equipamentos etc), o jornalista formado pelas universidades deve ser um profissional com aptidões intelectuais, “capaz de apreender, atribuir significados e dar exposição social confiável (isto é, independente, crítica e honesta) aos conflitos discursivos da atualidade”.
Se para Freire, a educação é elemento fundamental para a libertação de cada indivíduo e, para Rogers, ela é essencial na potencialização de cada educando, tratando especificamente do caso específico do Jornalismo, Chaparro conclui que uma boa formação une à técnica uma sólida base humanística e, portanto, compromisso e respeito por si e pelo outro. A pesquisa A Formação Cidadã do Jornalista no Brasil aponta que essa ação começa em sala de aula como compromisso do professor e é imprescindível para o papel cidadão que o jornalista passa a atribuir à sua profissão.
Na condição de professor, respeitar o aluno como cidadão é um estímulo fundamental para os estudantes aceitarem responsabilizarem-se por suas vidas, por sua formação e por sua profissão. O papel do professor tem sido fundamental, enfim, para que o educando conquiste sua cidadania e saiba também o que é respeitar, do ponto de vista dessa mesma cidadania, o público da informação jornalística para o qual ele deve trabalhar e a quem, de fato, ele deve servir.

segunda-feira, 13 de março de 2006

Jornalismo brasileiro é uma boa pauta para o cinema nacional

Enio Moraes Júnior

Eis um casamento que deu certo: jornalismo e cinema. Desnecessário faz-se falar de produções clássicas como “Cidadão Kane” (Citzen Kane, EUA/1941), que imortalizou o nome de Orson Wells, que produziu, dirigiu e protagonizou o filme baseado na vida do magnata e empresário de comunicações norte-americano William Randolph Hearst, e “A Montanha dos Sete Abutres” (Ace in the Hole, EUA/1951), produzido e dirigido por Billy Wilder e estrelado por Kirk Douglas no papel do ambicioso jornalista Charles Tatum, que transforma um pequeno incidente numa mina de carvão no Novo México (EUA) numa chance de ganhar dinheiro e prestígio.
No final dos anos 90, filmes como “O Informante” (The Insider, EUA/1999), de Michael Mann, e “O Quarto Poder” (Mad City, EUA, 1997), de Costa-Gravas, não deixam dúvidas sobre isto. O primeiro, baseado numa história real ocorrida em 1994 e com irrepreensíveis atuações de Al Pacino e Russel Crowe, conta o drama do jornalista Lowell Bergman (Pacino) e do ex-executivo da indústria de tabaco Jeff Wigand (Crowe) ao se verem envolvidos em conflitos morais e éticos ao tentar denunciar pela rede CBS que a empresa de cigarros está colocando substâncias cancerígenas em seus produtos.
“O Quarto Poder”, com o também sempre bom Dustin Hoffman e John Travolta, leva o telespectador até o museu de uma cidade do interior do EUA, Madeline, para mostrar como, para alguns profissionais da imprensa, um dia normal e sem novidades pode transformar-se num redemoinho quando um repórter – Max Brackett (Hoffman) – resolve usar um incidente na vida de um homem comum – Sam Baily (Travolta) – em benefício de sua carreira.
Neste início de 2006 o cinema americano nos brinda com outras duas boas pérolas da união jornalismo e cinema. “Capote” (Capote, Canadá - EUA/2005), de Bennet Miller, e “Boa Noite, Boa Sorte” (Good Night, Good Luck, EUA – Japão – França - Inglaterra/2005), de George Clooney. Ambos inscrevem-se numa leva de filmes que estão sendo produzidos em Hollywood e que sutilmente abordam uma marca constante entre os americanos nestes tempos pós-11 de setembro e “caça ao terror”. Há, nos EUA e no resto do mundo, uma questão no ar: será que estamos certos? Estamos, de fato, tornando o mundo melhor?
“Capote” e a excelente interpretação de Philip Seymour Hoffman permitem aos jornalistas colocar na balança o que é mais importante: seu compromisso consigo e com sua carreira ou com o interesse público? “Boa Noite, Boa Sorte”, uma prova da qualidade do trabalho de Clooney, vai na mesma linha apresentando os entraves da CBS contra o macartismo tendo à frente o jornalista Edward R. Murrow, reforçado por uma trilha sonora de alta qualidade.
A verdade é que tanto “Capote” quanto “Boa Noite”, ao trazerem à tona jornalistas, políticos e empresários, ressuscitam fantasmas e histórias parecidas com os de Kane (“Cidadão”) e Tatum (“Montanha”) também trazidos à baila pelos personagens Brackett e Baily (“Quarto”) e Bergman e Wigand (“Informante”). É como se as discussões sobre ética e dever da imprensa nunca tivesse abandonado o espaço privilegiado dos debates norte-americanos sobre a vida em sociedade.
Talvez se esse tipo de produção estrangeira inspirasse a levar às telas do cinema brasileiro as proezas e os conflitos do jornalismo nacional, a nossa sociedade se tornasse mais afinada e informada sobre o papel do jornalismo e, por outro lado, fizesse os jornalistas pensarem e ficarem em alerta sobre seus compromissos com o público. Ao longo desses séculos de jornalismo, temos muita coisa ruim a ser denunciada, mas ao mesmo tempo, muita coisa boa a ser mostrada.
Obviamente, existem algumas produções que podem ser aqui ser mencionadas. “Vlado – 30 Anos Depois” (Brasil, 2005), de João Batista de Andrade, é um exemplo. O filme tem, sem dúvida, um valor inestimável e no que pretende ser – documentário – funciona muito bem. Mas é o povo, a sociedade brasileira que precisa se ver na tela grande, interagida com o jornalismo.
Uma experiência neste sentido é o premiado “Cidade de Deus” (Brasil/2002), de Fernando Meirelles, que conta a história do jovem Buscapé (Alexandre Rodrigues) que encontra no fotojornalismo uma forma de sobreviver e denunciar as mazelas da violenta vida numa favela carioca. No entanto, os exemplos de roteiros baseados em fatos reais, ainda são raros e por isso, a força do debate sobre o jornalismo nacional, ainda é pouco expressiva.
Por outro lado, a literatura nacional parece que já há algum tempo se deu conta do espaço e da possibilidade dessa discussão. Só para citar alguns exemplos, “Minha Razão de Viver” (Ed. Record, 1987), de Samuel Weiner, que conta a trajetória do jornal Última Hora e suas relações com o governo Vargas na primeira metade do século XX e, mais recentemente, “10 Reportagens que Abalaram a Ditadura” (Ed. Record, 2005), organizado por Fernando Molica e com reportagens de jornalistas como Luiz Cláudio Cunha e Ricardo Kotscho, produzidas nos anos militares, mostra a corajosa luta travada pelo jornalismo investigativo contra a ditadura.
O livro “Dossiê Herzog: Prisão, Tortura e Morte no Brasil”, de Fernando Pacheco Jordão (Ed. Global, 2005), lançado inicialmente em 1979, pode ser uma interessante inspiração para adaptação de um roteiro sobre a vida e a luta do jornalista Vladimir Herzog, este iugoslavo naturalizado brasileiro morto covardemente aos 38 anos pela ditadura militar em 1975.
A literatura nacional tem nos contado muitas histórias sobre jornalistas e jornalismo. E o cinema brasileiro, a exemplo do que vem fazendo o cinema norte-americano, precisa cantá-las também, estimulando um debate sobre a imprensa local, seus nomes, seus acertos e seus erros. Neste último caso, esclarecer na telona o desleixo da imprensa no caso Escola Base poderia ser (entre outros) um bom começo. Alguém se habilita?