quinta-feira, 19 de março de 2009

Sobre as crianças do noticiário

Imagem e texto: Enio Moraes Júnior

Os grandes fraudadores não roubam dinheiros nem ouros, roubam corações, esperanças e futuros. Outro dia eu vi nos olhos do menino o olhar do futuro, do porvir. Passado pouco tempo surpreendi-me: eis que o porvir não veio, e se veio o atropelou e o atordoou com tal violência que seu olhar parecia ter secado, como secam os rios sem peixes e os peixes sem rio; como vãos são os animais sem pasto, os canaviais sem cana e as dores sem lágrimas.
Margeei-o. Cheguei perto e perguntei seu nome e ele sequer lembrava mais. Fui embora intrigado, assustado. Tempos depois não o via mais.
Sua feição parecia desaparecer, seu nome simples parecia não querer ser pronunciado e, no seu lugar, uma vastidão desmemoriada de ausências, de silêncios, de cegueiras.
Percebi que aquele ali havia partido para sempre e que o olhar do futuro fora corroído por puras ganâncias e arrogâncias. Eu lhe havia dado uns livros para que aprendesse; uns jornais para que lesse; umas músicas para que escutasse; umas sementes de girassóis para que plantasse. De nada adiantaram. Nada se fez, nada germinou.
Decepcionado, recolhi-me. Nada se fez presente; o futuro não chegou para o menino que se esfumaçava ausentando-se silencioso, cego.
Fraude.

substantivo feminino. qualquer ato ardiloso, enganoso, de má-fé, com o intuito de lesar ou ludibriar outrem, ou de não cumprir determinado dever; logro (Houaiss).

Quando pensei com atenção, o futuro que havia visto nos olhos do menino era uma grande fraude que haviam plantado sob seus pés para, iludindo o hoje, convencê-lo de que haveria futuro.
Fraude. Não sei ao certo se lhe roubam dinheiros ou ouros. Acho que nem! Mas tem que lhe tiraram os corações, as esperanças, os futuros.
Noticiário cruel! Talvez eu preferisse nem saber sobre o que me conta das crianças! Fraude.