quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Murais e tudo mais






Um lugar especial para a família,
para os amigos, para as pessoas
Foto e texto: Enio Moraes Júnior





Rezo e ajo todo dia
Para que o mundo seja azul-esverdeado
Para que o sol amanheça amarelo-dourado
E que a lua anoiteça num branco-silenciado, amado

Para que todas as cores do mundo
Caibam nos nossos corações vagabundos
Para que todas as caras do mundo
Sorriam seus risos de contentamento mais profundo

Rezo e ajo todo dia
Para que a vida seja desimpedida
Para que a morte seja só uma partida-querida
Para que a felicidade seja consentida

Para que as dores do mundo
Não existam tão-mais
Para que o aprendizado
Não se faça doloroso demais

Rezo e ajo todo dia
Para que os adultos relaxem em seus sais
Para que as crianças durmam em paz
E para que você esteja sempre nos meus murais

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Ciberexistência, comunicação, educação (Parte I)


Enio Moraes Júnior
Orkut, uma das comunidades virtuais mais acessadas no Brasil: crianças, jovens e adultos unidos em torno de discussões - muitas vezes pouco produtivas - no novo espaço público. Mas uma certeza: pessoas e vozes que se redimensionam, ciberexistem


Gostaria de começar essa nossa conversa, na qual pretendemos discutir a presença das novas tecnologias em nossas vidas, ou melhor, a presença das nossas vidas nas mídias neotecnológicas – fenômeno esse que chamo de ciberexistência – apoiando-me em três conceitos chave: cidadania planetária, mídias digitais e educação.
Em primeiro lugar, acho importante situarmos que a existência humana nesse planeta é marcada por uma única condição: a vida do próprio planeta. Temos nos deparado diariamente com esse fato nos jornais. Mas as estatísticas e prognósticos de destruição do planeta têm sido tão constantemente anunciados quanto ameaçadoras, ou melhor: responsabilizadoras.
Segundo o relatório divulgado em maio pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), órgão ligado à ONU, é possível deter o aquecimento global se o processo de redução das emissões for iniciado antes de 2015. De acordo com o documento, para combater o aquecimento, a humanidade terá de diminuir de 50% a 85% as emissões de gás carbônico até a metade deste século.
Ainda que existam algumas ressalvas quanto aos seus aspectos mercantilistas, o Protocolo de Kyoto, um acordo assinado por diversos países em 1997, na cidade de Kyoto, no Japão, traduz muito bem a gravidade das questões climáticas na Terra.
O documento prevê a redução de poluentes ambientais como os gases que produzem o efeito estufa, o que significa que os países têm metas de não-poluição a cumprir. Aqueles que superarem o cumprimento dessas metas podem vender parcelas excedentes aos países que ficaram abaixo das metas por meio dos créditos de carbono.
Embora haja críticas ao modo mercantil como o Protocolo trata a natureza e o planeta, uma questão tem ficado cada vez mais clara: a emergência e a consolidação daquilo que alguns autores contemporâneos têm chamado de cidadania planetária.

A cidadania planetária é condição humana atávica. O conceito perde gradativamente a sua significação inicial – cujo grande marco é a Revolução Francesa – de cidadania nacional. Embora seja nas civilizações dos gregos e dos romanos (séculos IX e VIII a.C) que a cidadania desenvolva o importante alicerce da dimensão política que encubia nobres e proprietários a participarem do destino cidade, é na Idade Moderna (séculos XIII a XVIII), com o fortalecimento dos Estados-nação, que ela ganha seu contorno mais significativo. A partir daí ela implica a defesa dos direitos humanos e da democracia, em cuja base está a nacionalidade.
Hoje, entretanto, a cidadania passa a ter uma abrangência global, sendo entendida como uma cidadania planetária. No seio dessa concepção está exatamente a concepção de que qualquer mal que seja feito ao meio ambiente, em qualquer nação ou continente, tem implicações não apenas locais, mas globais; afeta o mundo todo, o planeta. Daí falarmos numa cidadania planetária.
Por exemplo, quando nos preocupamos com a questão da Amazônia, embora haja críticas de que os reais interesses da América (dos Estados Unidos) seja com a água da região, para além disso, o mundo todo – os países da América Latina, da Europa, da Ásia e da África – estão na verdade preocupados com a preservação do meio ambiente, da fauna, da flora e como a vida e a sustentabilidade do planeta.
Segundo o relatório do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas, um dos maiores problemas do Brasil na emissão de gases é o desmatamento. Os resultados da pesquisa mostram que as queimadas conseqüentes da destruição das florestas significam 75% das emissões brasileiras.
Exercer, portanto, uma cidadania planetária é defender o planeta e isso pode ser colocado como condição atávica da existência humana acima de toda e qualquer nacionalidade.

Mas o que podemos falar sobre as mídias digitais, a globalização e a ciberexistência? Aqui chegamos num segundo ponto que, aparentemente, tem pouco a ver com esse primeiro, a cidadania planetária. Nesse momento da discussão é importante observarmos que o sentido ecológico de uma cidadania planetária irmana-se, do ponto de vista econômico, de uma polêmica globalização.
Por que polêmica? Porque se, por um lado, a globalização tem sido acusada de distanciar as pessoas no nível sócio-econômico, enriquecendo os ricos e empobrecendo os pobres, por outro, ela também tem nos aproximado e, por trás dessa aproximação, está exatamente o papel dos meios de comunicação, das mídias digitais e das novas tecnologias.
A globalização traz vantagens e desvantagens, e é irrefutável a idéia de que hoje nós acessamos com maior facilidade informações sobre outras regiões do país, sobre países, povos e culturas. Nesse sentido, podemos participar de forma mais articulada – no que diz respeito ao background de informação que temos – de processos ligados à defesa do outro e do planeta. Esse outro, por sua vez, deixa de ser um outro politicamente regionalizado, do mesmo país, e passa a ser um outro planetarizado, o que alguns autores têm chamado de outro-universal.

A ciberexistência implica a emergência de uma nova forma de sociedade. A possibilidade de existirmos, portanto, numa nova esfera e dimensão na vida terrena, de constituirmos paralelamente à vida social cotidiana, uma sociedade em rede, com novas formas de socialização, abre os precedentes para um novo olhar e conhecimento sobre esse outro-universal e sobre o planeta. Acho curioso que a palavra ciberexistência seja formada pelo prefixo CIBER, em inglês CYBER, que significa “piloto, dirigente” e EXISTÊNCIA, existir. Isso me leva a pensar que ciberexistir significa dirigir a própria vida ou pelo menos ter em mãos os instrumentos que possibilitem isso de forma mais efetiva.
Assim, ciberexistir é exatamente, a partir das tecnologias, especialmente da Internet, trazer a vida a uma nova dimensão informacional e cognitiva das pessoas e do mundo. Ciberexistir, portanto, deve implicar exatamente a defesa dessa condição humana que começa com a defesa da própria vida do planeta.
A ciberexistência é um conceito em que tenho pensado para entender a vida em sua dimensão contemporânea e neotecnológica. Tenho apoiado-me especialmente em dois autores. Um deles é Muniz Sodré, que no livro Antropológica do Espelho reflete sobre uma nova dimensão humana trazida pelas mídias – o bios midiático. Segundo o autor, nas sociedades contemporâneas globalizadas a mídia assumiu um poder e intensidade tais, que é por meio dela que os indivíduos relacionam-se – vinculam-se – no espaço social.
Essa vinculação, como observa o outro autor, Manuel Castells, em Sociedade em Rede, traz-nos a uma nova forma de vida social na qual estamos enredados. Um ponto importante no pensamento do autor é que a sociedade em rede é uma forma de sociedade que construímos e que vivenciamos a partir da sociedade real, física.
A ciberexistência bios midiatizada e enredada de hoje é, portanto, produto da existência física cotidiana. Não há sentido, portanto, imaginarmos e preservarmos uma vida ciber, sem preservarmos a vida física do e no planeta. Para ciberexistirmos, midiatizados e em rede, precisamos preservar a nossa própria existência terrena. Portanto, é função do ciberexistente, a defesa da sua própria condição humana de existência. E por essa defesa passa, irrefutavelmente, a defesa do planeta.

A educação e a comunicação são fundamentos da ciberexistência e da defesa da vida e do planeta. E é exatamente aí que eu chego ao terceiro ponto que gostaria de expor: como construir um caminho para que o ser ciberexistente interfira sobre o outro e sobre o planeta como defensor de uma cidadania planetária, a única que nos interessa hoje?
Talvez existam várias maneiras de se construir esse caminho, mas um parece-me essencial: por meio da intelectualidade que pode ser construída na educação e na mídia. Somente o ser intelectualizado, educado e informado, pode abandonar a acachapante leniência do ser hiperculturalizado, que é um ser apressado, superficial e individualista, e agir não apenas como consumidor de idéias e produtos, mas sobretudo como cidadão da Terra.
No começo deste mês o site americano Sience Daily, divulgou os resultados de uma pesquisa da GfK Public Affairs e da Universidade Yale que constatou que mais de 70% dos americanos estão dispostos a pagar mais impostos para custear iniciativas do governo para reduzir o aquecimento global. De acordo com o estudo, 74% dos americanos poderiam apoiar a criação de leis determinando que todas as novas casas fossem mais eficientes em termos de energia e 72% deles disseram que apoiariam um aumento nas taxas mensais sobre as residências, caso o governo passasse a subsidiar a instalação de geradores de energia solar.
Não é suficiente aos países e aos seus povos serem consumidores, é fundamental sermos cidadãos!

NOTA: As partes I e II dessa discussão correspondem a uma transcrição editada de palestra proferida pelo autor no XI Encontro de Letras da Faculdade São Bernardo do Campo (São Bernardo do Campo – SP), em 10 de outubro de 2007.

Ciberexistência, comunicação, educação (Parte II - Final)

Enio Moraes Júnior

A construção do cidadão planetário por meio da escola e da mídia: eis o ponto que considero chave da discussão sobre a ciberexistência. Claro que não aprendemos apenas na escola. A família, os amigos e a religião, por exemplo, trazem também em si formas de aprendizagem e de conhecimento, mas é à escola que tem cabido, desde os gregos, o papel institucional de motivadora, seletora, hierarquizadora e construtora desse conhecimento. Por isso, é especialmente dentro dela que gostaria de refletir com vocês a formação desse cidadão; desse cidadão planetário.
Para começar eu gostaria de fazer algumas críticas à nossa escola ocidental contemporânea, tomando como referência o seu papel motivacional, seletivo, hierarquizador e construtor.
Em primeiro lugar, suspeito que a nossa escola não motiva seus professores e muito menos, e por extensão, seus alunos. Ocorre que a motivação é algo fundamental no ensino: "A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele", escreveu Arendt (FERRARI, 2004).
Penso também que o seu papel seletivo de saberes é ultrapassado, acomodado e conservador.
Entendo que a hierarquização que ela realiza em relação aos conteúdos é humanamente indulgente, preconceituoso e perverso.
Por fim, entendo que o seu produto final, o que a escola contemporânea – na maioria das vezes – tem construído são seres – e aí eu incluo não apenas alunos, mas também professores, diretores, funcionários e mais: seres humanos, de uma forma geral, já que em boa medida somos produto das escolas – lenientes; acomodados à tragédia e ao sofrimento do outro a tal ponto que sequer percebemos que esse outro somos nós mesmos.
Em outras palavras: ao invés de pessoas planetárias, a escola tem produzido – na maior parte das vezes – seres individualistas... E isso põe em risco a vida do e no planeta e arrisca também, como conseqüência, a própria vida humana.
Qual o caminho para que a escola abra-se, utilizando as novas tecnologias digitais e suas formas de existência, para a cidadania planetária? Proponho seis pistas para pensarmos e discutirmos.
Uma das questões em que tenho pensado ultimamente, um conceito sobre o qual tenho refletido nos últimos meses é o de tecno-ideologia. Parto do princípio de que cabe ao homem dominar a técnica, não o contrário.
Isso me faz lembrar o mito de Ícaro, que fala de um homem deslumbrado pela técnica a tal ponto que pensa que não é mais mortal, deslumbra-se e morre vítima da técnica, da sua falta de domínio sobre ela. Ícaro é um jovem para quem o pai, Dédalo, criara assas para que ele pudesse escapar de uma prisão injusta, mas morre vítima desse invento paterno. Da mesma forma, as novas tecnologias, produto do invento humano que pode efetivar uma nova forma de democracia e cidadania, corre o risco de implicar indivíduos que sucumbam às suas próprias redes e técnicas.
Embora hoje já estejamos falando da hiperescola, ainda que ela possa legitimar-se em breve como uma nova compreensão de educação escolar, é importante termos cuidado para que a técnica não vire ideologia. Para isso, é necessário que as escolas ensinem a técnica para que ele seja dominada, que a escola coloque o seu aluno no comando das mídias digitais: dos computadores, das máquinas digitais, da internet. Os computadores e sua rede mundial podem ter um uso positivo, cidadão, na construção de uma nova forma de vida democrática global. É disso que fala o Pierre Lévy no livro Ciberdemocracia.
Em segundo lugar, podemos pensar que a base desse conhecimento está no respeito à condição humana dentro da própria escola. Carl Rogers e Paulo Freire, dois grandes teóricos da educação do século XX, refletem muito bem sobre essa questão. Para Rogers, o ensino deve ser centrado na pessoa do estudante, mas Freire avança nesse aspecto ao entender essa centralidade também no sentido da realidade que cerca esse estudante. Assim, ambos podem ser tranqüilamente retomados no sentido de pensarmos uma educação que mobilize humanamente o que se é em nome do humano. Tornar-se Pessoa, de Rogers, e Pedagogia do Oprimido, de Freire, deveriam ser relidos com atenção para que esses ensinamentos pudessem ser aplicados hoje.
Em terceiro lugar, é importante que repensemos que conhecimento estamos construindo e para que. Em outras palavras: que mundo queremos para os próximos anos? Se pensarmos em construir pessoas para o mercado, estaremos cada vez menos construindo a vida. Pelo contrário: estaremos colocando em risco a vida do planeta. E isso é muito sério.
As estatísticas climáticas não deixam dúvida em relação a isso. O conhecimento que podemos estimular hoje faz parte de uma antropolítica em que o ser humano é colocado acima dos interesses mercadológicos. Edgar Morin tem falado muito sobre essa questão, sobretudo no livro Os sete saberes necessários à educação do futuro.
Em quarto lugar, é hora de repensarmos, problematizarmos a educação. E problematizá-la é exatamente problematizarmo-nos. A educação, meus caros, não está fora de nós, ela sempre esteve – como de certa forma já nos alertaram Rogers e Freire – aqui perto, dentro de nós.
Se não olharmos para nós mesmos, jamais estaremos olhando para modelos ou tentativas assertivas de educação. Nesse sentido, é fundamental que nos reconheçamos, nos aceitemos, nos respeitemos e nos amemos na nossa diversidade de credos, orientações sexuais, culturais etc. É o que Muniz Sodré trata como o ‘infinitamente diverso’ em A ignorância da diversidade.
A ignorância está vinculada a um conceito de verdade diante da qual tudo se classifica e existe. O que destoa dela deve ser excluído. Em outras palavras: pensar a educação como algo que vem de dentro é pensar em incluir o outro, o outro-planetário, na sua infinita diversidade, ao invés de excluí-lo.
Em quinto lugar, é importante darmos à educação o seu inestimável papel nos processos de socialização humana e sustentabilidade planetária. Ela está no começo de tudo. O homem sem a intelectualidade para compreender a complexidade do mundo é um homem que não compreende também a necessidade de defesa do planeta e da vida. Esse homem forma-se exatamente na escola. Os demais processos, como a midiatização, a participação política e sua intervenção no mundo através do trabalho são – e aqui eu aproprio-me e parodio uma reflexão do canadense Marshall McLuhan: esses processos são extensões do que somos, e o que somos é, fundamentalmente, extensão da educação que temos.
Por fim, uma outra questão para a qual merece ser chamada atenção diz respeito ao diálogo. Tudo, absolutamente tudo que dizemos, que escrevemos, são pontos de vista. Então, o conhecimento deve ser permanente, em perspectiva, um “vir a ser” constante. Para isso, é preciso que tenhamos a consciência de que a melhor colaboração que podemos dar ao outro e ao mundo é a fala aberta ao diálogo, e não o dogmatismo. Isso é fundamental para a educação: abertura, diálogo.
A os meios de comunicação têm também um papel especial na construção do diálogo. Na era das tecnologias comunicacionais, a internet deve ser um espaço para fóruns de discussões locais, regionais e globais. E, na medida em que o seu uso – tanto do ponto de vista técnico como político – caminhe no sentido de uma democratização, de realização de uma ciberdemocracia constituída por indivíduos formalmente educados e bem informados. Eis aí, cidadãos planetários, a nossa responsabilidade.

A dimensão ciber deve nos conduzia à tentativa de valorizar a vida por meio da valorização do ser humano e do planeta. A ciberexistência só tem sentido se pensarmos na existência. As novas tecnologias não podem ser pensadas sem pensarmos também na própria vida humana e na vida do planeta. A educação e a comunicação para uma cidadania planetária são o caminho para potencializarmos esse engenho humano na defesa do próprio homem. Nesse sentido, à escola e aos meios de comunicação cabem algumas tarefas. Cabe-lhes desfazer os riscos da tecno-ideologia, potencializar o humano, questionar o conceito de conhecimento e o significado da educação, considerar a educação a base do que somos e valorizar o diálogo, valorizando também, nesse contexto, o papel da comunicação social e das novas mídias.

Referências bibliográficas
BERTMAN, Stephen. Hipercultura. Lisboa: Instituto Piaget, 1998.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
_____. Internet e sociedade em rede. In: MORAES, Denis de (org). Por uma Outra Comunicação. Rio de Janeiro: Record, 2003.
CHAPLIN, Charles. Modern Times (Adaptation: "Really Modern Times"). EUA, 1936. Trecho disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=c8LxscnmdNY&feature=related. Acessado em 21 de julho de 2007.
FERRARI, Márcio. Hanna Aredt: uma defensora da autoridade em classe. Revista Nova Escola. Ed. 169. janeiro / fevereiro 2004. Disponível em: http://novaescola.abril.com.br/index.htm?ed/169_fev04/html/pensadores. Acessado em 21 de julho de 2007.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
LÉVY, Pierre. Ciberdemocracia. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.
_____. Pela ciberdemocracia. In: MORAES, Dênis de (Org.). Por uma Outra Comunicação, Rio de Janeiro, Record: 2003.
McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1964.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários para a educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000.
_____. Por uma mundialização plural. In: MORAES, Dênis de (Org.). Por uma Outra Comunicação, Rio de Janeiro, Record: 2003.
_____. Educação na Era Planetária. Coleção ‘Universo do Conhecimento’. São Paulo: Cultura Marcas, 2006. 1 DVD. 50 min.
ROGERS, Carl R. Tornar-se pessoa. Lisboa: Moraes Editores (Martins Fontes), 1973.
SODRÉ, Muniz. Antropológica do Espelho. Petrópolis: Vozes, 2002.
_____. A ignorância da diversidade. Coleção ‘A invenção do contemporâneo’. Série ‘As novas ignorâncias’. São Paulo: Cultura Marcas, 2006. 1 DVD. 48 min.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

O tamanho do mundo, café e torta de chocolate



Enio Moraes Júnior


Um dia desses fui visitar um casal de amigas, a Karen e a Alê. Uma delas, a Karen, tem uma filhinha, Juliana, a Ju, de mais ou menos cinco anos de idade. Elas estavam na cozinha passando um café e me deixaram na sala proseando com a Juliana.
Conversa vai, conversa vem, eu falava dos meus planos de férias e de algumas viagens quando de repente, intempestivamente, fui interpelado pela Ju:

- Mas qual é o tamanho do mundo?

Congelei. “Criança tem cada pergunta!”, pensei comigo e fiquei imaginando o que responder. Resolvi desconversar, enrolar a pobrezinha:

- Ah, Ju, o mundo é grande, muuuuito grande.

Disse isso meio sem certeza de que estava dando a resposta certa. Em poucos segundos minha desconfiança foi confirmada: a menina fitava-me com um olhar inquisidor como quem devia estar pensando: “Mais um adulto que não sabe de nada... Mais um adulto que me decepciona...”.
Enquanto sentia o cheiro do café que vinha lá de dentro, pensei em buscar na Internet um número, uma proporção, mas achei que não era um dado como esse que estava em questão. Afinal, eu e aquela menina não estávamos discutindo ciências exatas, mas filosofávamos. Respirei fundo e tentei novamente:

- O mundo é do tamanho das coisas que a gente conhece.

Os olhos da Ju brilharam, sua boca ficou entreaberta. Por alguns instantes pensei que vinha uma nova inquietação... E veio:

- Ah! Então é por isso que a gente precisa saber das coisas?

Ufa! Fiquei aliviado e feliz porque havia conseguido entrar naquele universo tão peculiar que é o universo de uma criança de cinco e poucos anos e me fazer entender:

- É isso mesmo, quanto mais a gente conhece as coisas, os lugares e até as pessoas, maior o mundo fica.
- Então quando eu ficar grande como você o mundo vai ser maior?
- Vai.
- Mesmo?

Ela franziu a testa, colocou uma mão nos quartos, mordeu os beiços como quem pensa: “eureka!” e ficou me olhando. Eu também a olhava ali, naquele momento de descoberta, até que fomos interrompidos pela Karen:

- Enio, o café tá pronto! Traz a Ju que tem torta de chocolate também.

Naquela cozinha eu e a Ju tínhamos três certezas: a de que havíamos criado uma cumplicidade ao compartilharmos nossas idéias sobre o tamanho do mundo, a de que os nossos mundos, a partir daquela conversa, haviam se tornado maiores e uma terceira certeza: café com torta de chocolate num final de domingo chuvoso, acompanhado de bons amigos, é uma maravilha!

terça-feira, 22 de abril de 2008

Para preparar uma aula de amor

Vencendo paradigmas, a educação deve ser um bom casamento a três: professor, aluno e escola (Imagem: reprodução fotográfica de obra de arte)


Enio Moraes Júnior


“O que é necessário, hoje em dia, para preparar uma boa aula?”, resmungou uma colega, professora de um curso de graduação em Comunicação Social em São Paulo. E continuou: “Já tentei de tudo e aqueles alunos não conseguem se interessar”. Ela relatava que já havia levado vídeos, fotos, jornais e cases publicitários para analisar em sala de aula e nada: nenhum fiozinho de resposta, de agrado.
Mas como era apenas um desabafo, deixei que ela falasse, ouvi atentamente. Despedimo-nos e seguimos nossos caminhos para as aulas do segundo horário. Mas não tirei aquele desabafo, aquela inquietação da cabeça.
Pensei que as novas tecnologias, o novo mundo, têm ensejado muitas discussões sobre o novo perfil do aluno, as novas práticas docentes: discutem-se do valor da imagem ao do uso da internet; do poder da interatividade ao uso de recursos multimídia em sala de aula. Mas o fato é que muito pouco tem sido discutido a respeito do professor.
Quem é esse profissional, como ele deve preparar-se para os desafios de novas concepções pedagógicas e didáticas? Que crises ele enfrenta e como isso interfere – e ao mesmo tempo é interferência – da relação que ele estabelece com os aluno e com a escola (donos, diretores etc)? Afinal, o processo ensino-aprendizagem é uma via de muitas mãos, e os todos os lados têm que estar em sintonia.
Além disso, qual o acesso que os professores têm às novas tecnologias de comunicação e de informação, hoje tão celebradas em sala de aula? Como as escolas – sejam públicas ou privadas, de ensino fundamental, médio ou superior – têm estimulado no professor esse novo perfil? Qual o suporte material e profissional que elas têm dado aos seus docentes?
Com base nas conversas que tenho tido com alguns professores e com alunos de pós-graduação, que também são professores – para quem ministro aulas de Educação e Tecnologias da Comunicação em algumas escolas em São Paulo –, arrisco uma resposta: os professores, sobretudo os das escolas públicas, têm pouco ou nenhum acesso às novas tecnologias e as escolas, sejam públicas ou privadas, têm negligenciado as condições técnicas e materiais desse acesso aos docentes.

Autocrítica, aprendizagem, articulação – Retomando o desabafo da minha colega, diria que, hoje em dia, para se preparar uma boa aula é necessário autocriticar-se, aprender sempre e articular forças.
Autocriticar-se é pensar que os tempos estão mudando e que precisamos mudar também, é estar insatisfeito e lidar com isso – talvez seja nessa etapa que esteja minha colega. Mas essa inquietação deve ser percebida e trabalhada de forma positiva, propositiva. Algo de útil deve ser feito com ela, e o melhor a fazer é aprender...
Na sociedade do conhecimento, lidar com as mudanças é aprender a mudar, é assumir que o aprendizado não tem fim, é e deve ser permanente. Mas nesse caminho, é preciso articular outros atores. Os alunos e as escolas têm que ser chamados a assumir suas tarefas, seu compromisso e responsabilidade com a aprendizagem.
Cabe ao aluno ser parceiro do professor na construção das “boas aulas”, mas para isso ele precisa ser convidado, estimulado, por esse professor, a tomar parte nesse processo. Além disso, cabe às escolas realizar investimentos não apenas em tecnologias, mas na aprendizagem e adaptação do professor, para que isso possa retornar ao aluno.
Mas não se pode perder de vista que a palavra educação – que vem do latim educãre (alimentar, criar) e educere (conduzir para fora, tirar) – continua remetendo a um estímulo (alimento) para trazer à tona (condução). Por isso, seja no pensamento dos clássicos greco-romanos, de autores mais recentes, como Carl Rogres ou até mesmo Paulo Freire e Edgar Morin, o ato educativo continua a merecer um ingrediente fundamental das boas receitas: amor.
Mas ressalte-se: não o amor piegas que leva ao comodismo ou à leniência, mas o amor do compromisso com o outro, com o outro-universal, como diz Morin. Esse amor, que é amor-compromisso, amor-responsabilidade, também não é unilateral, não pode ser uma tarefa árdua e sofrida que cabe ao professor.
Trata-se de um amor que precisa ser, na mesma medida, correspondido. É também compromisso e responsabilidade do aluno e da escola que o acolhe para a tarefa que, em tese, lhe é confiada: ensinar. Juntas, articulados no amor-compromisso e no amor-responsabilidade, professores, alunos e escolas encontrarão, inquietos e criativos, o melhor caminho para preparar uma boa aula.

terça-feira, 11 de março de 2008

A vida simples de algum lugar




Os cavalos, parte do trabalho de Capilé: o cotidiano do interior traduzido no artesanato
(Foto: Enilson Vieira Moraes)


Enio Moraes Júnior

Ofício que “eles ‘aprendero’ com os pais e ‘ensinaro’ pros fios”, as marcas da cultura ceramista estão por toda a cidade. Quilos e quilos de argila úmida transportada em dezenas de carroças puxadas por jegues ou cavalos circulam pela cidade enquanto as janelas das casas se abrem, muitas delas já com esculturas à mostra, para mais uma sexta-feira de trabalho e comércio. Assim é o amanhecer do dia, ainda cedo, pouco mais de cinco da manhã, na pacata cidadezinha do Nordeste brasileiro.
Santana do São Francisco é uma pequena cidade do interior sergipano, com uma população estimada em 6.323 habitantes (dados do IBGE) que vivem basicamente dos recursos oferecidos pelas águas do rio São Francisco. A cidade, que até 1992 chamava-se Carrapicho, está localizada na região do Baixo São Francisco e desenvolve atividades como a pesca e a agricultura, mas “tem nada” que a faça mais conhecida nacionalmente que a sua produção artesanal de cerâmica de barro.
Sandro de Zequinha, Capilé, Maria, José, João e mais uma dezena de artesãos colocam, de fato, a mão na massa e dela criam, esculpem e reinventam, cada um a seu jeito, com seu talento, as suas próprias peças.

- Mas ‘coidado’, moço!, advertiu-me uma senhora robusta, de roupas simples, mas bem arrumada, a quem pedi informações sobre os ceramistas da cidade. “É que aqui tem muito ‘cabra’ que gosta de copiar ‘as invenção’ dos outros. E isso já me disseram que ‘num’ é arte”.

Numa das primeiras casas visitadas, vejo que crucifixos, imagens de Nossa Senhora Aparecida e de São Jorge dividem a mesma prateleira com esculturas de Oxum e de Oxossi. Todos eles, por sua vez, num mesmo móvel ao lado de canecas de cerveja cinzeiros, vasos para flores e oferendas.

- Bata palma aí que ela aparece, disse a senhora que havia advertido sobre os copiadores e me acompanhou por todo percurso que fiz na cidade, embora não quisesse dizer o nome ou o que fazia ali.
- Acho que não tem ninguém. Saíram e deixaram a porta aberta. Como pode?
- Aqui ‘tem problema isso não, homi’. Depois você volta.

Assim é a vida em Santana, sem grandes segredos. Alguns cidadãos ganham a vida com o transporte da argila ou da lenha utilizadas na produção da cerâmica, enquanto outros comercializam o artesanato nas próprias casas, muitas delas transformadas em oficinas. Mas o que chama mesmo a atenção é o trabalho cuidadoso dos artesãos que dão forma à argila e solidificam a história, a beleza e as angústias do povo ribeirinho que vive às margens do São Francisco.

- Ô de casa, chego batendo palmas e anunciando minha entrada casa à dentro.

Concentrado no trabalho de molda das peças, que parece pesado e exige paciência, Sandro de Zequinha olha com a cabeça levemente abaixada e a testa franzida:

- Pois não?

Herdou a profissão de artesão do pai, com quem trabalha em uma das oficinas da cidade. Tem quarenta anos de idade, que parecem bem menos, embora isso possa contradizer as possibilidades de danos físicos de um trabalho num local abafado e insalubre. “É que aqui eu trabalho com a natureza”, justifica.
Sandro passa cerca doze horas por dia moldando peças que depois de trabalhadas são colocadas em um forno à lenha para queimar e finalmente serem pintadas. “Não tem barro melhor do que esse daqui não. Ele é macio, olhe só” – diz, revirando a argila. “É bom para queimar e para pintar. No Brasil não há igual”.

- Mas o que você conhece do Brasil; da argila dos outros lugares?
Ele desconversa:
- Nada, quer dizer, quase nada, o pessoal é que fala...

Meio ambiente - Embora emblemática da relação que o homem ainda pode manter com a natureza, a relação entre o São Francisco e a população de Santana do São Francisco tem hoje uma grande ameaça: a degradação do rio e do meio ambiente. O receio dos ambientalistas é que esse processo comprometa a cultura e a sobrevivência de populações que utilizam o seu potencial.
Mas segundo a Prefeitura, que contabiliza que cerca de 60% da população vive do artesanato, está em negociação a elaboração de um projeto em parceria com órgãos como o Departamento de Engenharia Agronômica (DEA) da Universidade Federal e Sergipe e o Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) para a plantação de eucalipto para ser usado na queima do barro nas proximidades do município. O objetivo é baratear os custos e minimizar as conseqüências da extração de lenha das matas ciliares.
“Dizem que isso aqui ‘tá tudo acabando’, mas ‘sei não’, a gente sempre dá jeito de seguir na caminhada”. Mas o fato é que de todas as implicações da produção artesanal de Santana, o impacto ambiental da retirada de argila também seja uma preocupação presente entre os artesãos locais. Segundo o presidente da Associação de Artesãos de Carrapicho, Edílson Fortes, há, sim, retirada da lenha de áreas de preservação. “Temos receio da situação que estamos criando para nós e para o rio, mas estamos trabalhando em cima das nossas necessidades”, diz com a experiência, a sobriedade e a preocupação de quem, aos 55 anos, conta também outros 55 de lida com a cerâmica e a argila do São Francisco.
Edílson está otimista com a parceria entre a Prefeitura e os professores da Universidade. Acha que tudo pode ser resolvido e que os artesãos podem colaborar. Despeço-me e volto à casa em que havia ido no começo da manhã.

- Bata palma de novo que ela aparece.

Um jovem senhor, de olhar simples mas passos firmes, vem até a parte da frente da casa. Wilson de Carvalho, o Capilé, tem 38 anos e é provavelmente o mais conhecido artesão santanense. Hoje, com o uso da lenha, ele garante uma renda mensal de 600 reais é contra a devastação e a favor dos projetos de reflorestamento de eucaliptos, mas reclama da burocracia. “Minha preocupação é que esse projeto fique engavetado. Se não for tomada uma posição de maior respeito e consciência, a idéia não vai adiante”.
Gostei da sua ponderação, gostei do povo santanense e da sua arte. Do lado de fora da porta, o movimento das pessoas nas ruas havia acalmado, já era quase hora do almoço e lembrei-me que uma das regras das cidades do interior é refeição com hora marcada.

- Interessante esse povo daqui, esse povo do barro!, observei pensando que falava comigo mesmo, mas tive resposta:
- Tudo isso é coisa que “eles ‘aprendero’ com os pais e ‘ensinaro’ pros fios, respondeu-me a senhora que ainda permanecia atrás de mim.

Olhei com um ar de curiosidade, e ela continuou:

- Assim é a vida de todo lugar, ‘né não’?, falou batendo em retirada, com as mãos cruzadas sobre a região lombar, como fazem as pessoas simples depois de uma tarefa concluída. Era como se a minha surpreendente companheira de reportagem soubesse que o nosso trabalho tivesse terminado.
Era quase meio-dia e o sol insistia em brilhar. Se assim é a vida em todo lugar eu não saberia, àquela hora, argumentar, mas certamente gostaria que a vida naquela cidadezinha às margens do São Francisco continuasse a ser vivida assim, com a sabedoria, a coragem e a simplicidade daqueles artesãos e daquela senhora.

(Matéria reeditada a partir de reportagem original deste autor publicada na revista Com Ciência Ambiental).

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Tecnologias e desafios da Comunicação Integrada

Enio Moraes Júnior

O desenvolvimento das tecnologias de comunicação, especialmente nos últimos vinte anos, tem dado um novo sentido à existência humana e levado a uma reelaboração do modo como os indivíduos vivem e se relacionam em sociedade e isso tem alterado também o cotidiano e os interesses das organizações.
Parece difícil enxergar com clareza os próximos anos. A convergência midiática praticamente ainda não começou e hoje convivemos no mundo empresarial apenas com a primeira geração que cresceu com a internet. Estamos entrando em um mundo de novos significados e – parodiando o pesquisador canadense Marshall McLuhan, que nos anos 60 referia-se aos meios de comunicação como extensões do homem – de novas extensões.
Segundo o filósofo Pierre Lévy (2002), as atuais tecnologias implicam novas formas de ser e estar no mundo. Considerando que elas implicam também novas formas de comunicação, são, pois, novas formas de extensão de corporações empresariais e de homens.

Rapidez jamais sonhada
Por trás de toda essa mudança, há um projeto e ao mesmo tempo uma conseqüência política: a globalização. As fronteiras mundiais estão mais tênues e as pessoas tendem a estar mais próximas. Isso interfere inquestionavelmente nas empresas, que passam a contar com formas privilegiadas de otimizar sua comunicação integrada.
"Imagine a diferença em relação àquele empresário do Império que, ao receber uma correspondência do exterior, tinha quase três meses para pensar, tomar as decisões e responder", diz Jorge Gerdau Johannpeter (SIQUEIRA, 2007: B22), presidente do grupo Gerdau, fazendo uma comparação com o ritmo de trabalho e decisões tomadas por Mauá (Irineu Evangelista de Souza), empreendedor brasileiro do início do século 19 e os executivos contemporâneos. Segundo Johannpeter:

"A internet impõe uma rapidez jamais sonhada em nossas decisões. Temos que resolver tudo em minutos ou mesmo em segundos. Vivemos hoje um processo executivo on line que explica, em grande parte, o grande aumento de produtividade ocorrido no mundo nos últimos anos."

Marca corporativa
Entendendo o fenômeno global como algo ainda em processo, a filósofa Monique Canto-Sperber (2004: 50) observa que, embora vivamos hoje em um mundo integralmente conhecido, "onde as distâncias são reduzidas, onde empresas podem implantar-se por toda parte ou externalizar suas atividades", ainda há muito, do ponto de vista humano, a ser prensado e construído:

"Nosso mundo é, antes de mais nada, um mundo onde a pobreza e a miséria constituem o lote de uma parte considerável das populações, mesmo dentro dos países desenvolvidos. Mais que pela ausência de recursos, a miséria se mede pela ausência de perspectivas de futuro ou de oportunidades de ação (...)."

Dispor de meios para transformar recursos em verdadeiras capacidades de agir requer um mínimo de educação, exige viver em um mundo que ofereça reais possibilidades de desenvolvimento de si e pressupõe que a cultura à qual se pertence tenha podido formar em cada um a faculdade de adaptar-se.
É nesse cenário de contradições entre sentidos humanos e materiais, entre pessoas e coisas, entre empresários e funcionários, que os profissionais das diferentes habilitações de comunicação social precisam fincar a marca corporativa e a busca pelo lucro deve caminhar ao lado de uma efetiva responsabilidade social.

Objetivos gerais e específicos
A nova configuração mundial implica, pois, desafios para o papel da comunicação e dos seus profissionais. O fluxo informativo, agora mais veloz e dinâmico, assim como as decisões e a produção do capital, tem que corresponder a uma qualificação também do nível de relacionamento entre empresários, funcionários e clientes. Diante disso, a comunicação integrada, apoiada pelas tecnologias digitais, precisa ganhar um novo sentido.
Tradicionalmente, a partir dos estudos de Margarida Kunsch (1986: 112), a noção de comunicação integrada considera que "o importante, para uma organização social, é a integração de suas atividades de comunicação, em função do fortalecimento de seu conceito institucional, mercadológico e corporativo junto a todos os seus públicos".
Assim, a CI funciona por meio da articulação da comunicação institucional, da comunicação mercadológica e da comunicação interna da empresa. Ademais, essa articulação deve formar um conjunto "harmonioso" da comunicação organizacional (1997: 116):

"A comunicação integrada permite que se estabeleça uma política global em função de uma coerência maior entre os programas de uma linguagem comum de um comportamento homogêneo, além de se evitarem as sobreposições de tarefas. Os diversos setores trabalham de forma conjunta, tendo ante os olhos os objetivos gerais da organização e ao mesmo tempo respeitando os objetivos específicos de cada um."

Participação interna e externa
Tal qual uma sinfonia, todo esse esquema tem que funcionar de forma bem articulada em suas partes para o sucesso da CI dentro da organização. E no começo de tudo está um bom projeto comunicacional. Parte fundamental da construção desse projeto é a informação que o profissional de comunicação tem em mãos.
Alguns anos antes da presença das atuais tecnologias de informação nas empresas e no cotidiano dos profissionais de comunicação, Gaudêncio Torquato (1986: 29) já nos falava a esse respeito:

"Um profissional de comunicação que possa dispor de informações a respeito de todos os grupos sociais a que está ligada a sua audiência, a respeito da importância relativa de cada grupo, a respeito dos líderes de opinião para cada assunto e sua importância relativa, a respeito dos outros meios de comunicação que atingem seu público, a respeito dos interesses de sua audiência, esse profissional poderá elaborar um programa [projeto] muito mais eficiente do que outro que não saiba absolutamente nada em relação à audiência para a qual se dirige."

Sem dúvida, a inserção das tecnologias nos processos de produção da informação tem sido um diferencial de cases de sucesso de comunicação integrada, mas além desses elementos, um fator merece especial atenção: a participação dos públicos interno e externo nos processos de comunicação corporativa.

Preconceitos e desinformação
Embora existam riscos nessa simbiose, um projeto de comunicação efetivamente integrada deve estimular a participação dos indivíduos na sua construção e execução. Eles não devem ser vistos apenas como espectadores, mas compreender os assuntos, avaliando criticamente sua produção.
Recentes pesquisas na área de comunicação organizacional têm discutido o significado de o profissional de comunicação utilizar-se sabiamente das teconolgias digitais e suas ferramentas. No entanto, há empresas em que funcionários não podem acessar seus e-mails, alimentar seus blogs ou fotoblogs nem checar seu Orkut.
Em algumas empresas, apenas o acesso à intranet é liberado, comportamento que endossa uma série de preconceitos e desinformação em relação à utilidade e ao poder da internet nas empresas, especialmente no que diz respeito à comunicação integrada.

Condições "macro-ambientais"
Para Pierre Lévy (1999: 247), não podemos considerar a internet apenas "uma sub-cultura dos fanáticos pela rede". Para ele, a cibercultura, mais que isso, é uma "mutação fundamental da própria essência da cultura". Como observa Roberto de Camargo Penteado Filho (DUARTE, 2006: 348):

"As organizações já não podem dar-se ao luxo de ignorar as listas de discussões da internet. Precisam aprender como usá-las em seu proveito. Os sites, fóruns e listas de discussão da internet podem representar um amplo repositório de informações não só sobre seus clientes ou consumidores, mas também sobre seus concorrentes."

Atentos a esse tipo de ponderação, cabe-nos refletir sobre a interferência deste novo quadro no contexto da comunicação empresarial e no conceito da sua matéria prima: a informação. Afinal, a agilidade e as novidades tecnológicas obrigam-nos a rever e reformular conceitos.
Ao pensar a comunicação nas corporações modernas, Torquato (1986: 111) destaca a importância de uma visão "macro" por parte do profissional da área hoje bastante útil para pensarmos em relação às atuais tecnologias:

"O planejamento de estratégias, programas e projetos de comunicação empresarial requer uma minuciosa leitura do meio ambiente. Incorrem em grave erro os comunicadores e profissionais que planejam suas atividades sem atentarem para as oportunidades, riscos, ameaças e tendências do macro-ambiente."

A partir daí, ele discute uma série de elementos que compõem as condições "macro-ambientais", tais como a interdependência entre as empresas, a participação cidadã nos negócios e a presença das tecnologias de comunicação nas relações sociais.

Conhecimento em "pedaços"
No entanto, um escopo do seu trabalho nos chama especial atenção. Ao falar das novas necessidades estratégicas para a comunicação nas empresas, Torquato (1986: 113) oferece-nos uma lista de observações que, tomando com referência também os estudos de Kunsch (1986; 1997) e Casali (2002) e oportunizando as discussões que elaboramos até aqui, atualizamos a partir do novo "macro-ambiente" global e neotecnológico.
Unicidade das comunicações, trabalho conjunto e articulado entre os profissionais da área e planejamento. Essas parecem ser até hoje as três bases para um bom trabalho de comunicação integrada.
Um dos elementos fundamentais para uma comunicação uníssona diz respeito à linguagem. Para Torquato (1986: 115), ela deve ser sistêmica e uniforme. Ou seja, o profissional da área deverá "estabelecer condições para uso e desenvolvimento de canais de comunicação, com a indicação de sua periodicidade, linguagem, conteúdos, forma etc.". Mas Casali (2002) faz algumas ponderações em relação a essa questão. Para ela, unicidade de projetos não significa, hoje, unicidade de conteúdos:

"Frente às novas tecnologias de informação a unicidade da mensagem deve ser repensada. O receptor busca em cada uma de suas fontes de informação elementos novos que possibilitem a composição de seu quadro de referência em um processo de aprendizagem denominado bricolage, ‘um processo de exploração teórica anárquica (...) pelo qual os indivíduos e as culturas usam os objetos que os rodeiam para desenvolver e assimilar idéias’ (Levi-Strauss apud Turkle, 1997, p.70) O conhecimento é construído em ‘pedaços’, ao invés da compreensão linear da informação."

Estruturas e atitudes coerentes
Para Torquato, a comunicação na empresa não pode ser vista como algo sob controle direto, único e exclusivo dos profissionais de comunicação. Pelo contrário, os diversos níveis da hierarquia empresarial devem ser aqui observados.
Nesse aspecto, as atuais tecnologias não podem ser entendidas apenas como instrumentos de uma comunicação vertical produzida por profissionais especializados, mas devem fazer parte do planejamento de uma comunicação sinérgica como ferramentas que, aliadas a esses profissionais, devem conduzir a empresa a uma verdadeira integração entre seus objetivos mercadológicos e humanos.
O autor defende uma maior ênfase em canais participativos de comunicação. Além das possibilidades convencionais como caixas de sugestões e brainstorming ("tempestade de idéias"), a internet traz em si algumas possibilidades. A esse respeito, Casali (2002) observa:

"A idéia da comunicação integrada é a coordenação de mensagens para um impacto máximo. Este impacto é obtido através da sinergia, as conexões que são criadas na mente do receptor como resultado de mensagens que se integram para criar um impacto de poder maior do que qualquer mensagem individual por si só. As mensagens e seus conceitos repetem unidades essenciais de significado ao longo do tempo através de diferentes veículos e provenientes de diferentes fontes, estas quando integradas, irão unir-se para criar estruturas de conhecimento e atitudes coerentes no receptor."

Informações e riscos
Um outro ponto citado pelo autor diz respeito à necessidade de estabelecer uma simetria entre marketing institucional e o marketing comercial da empresa. Para ele, isso "significa aumentar a redundância, racionalizar a linguagem, economizar custos e fazer com que a imagem que passe para a opinião pública se torne igual à identidade que se quer projetar" (1986: 114).
Embora algumas empresas secundarizem o trabalho de comunicação integrada, para Torquato, tanto empresários como funcionários devem acreditar na comunicação como poder organizativo. E o poder para isso está especialmente nas mãos do profissional de comunicação.
Uma das ferramentas nesse sentido é o endomarketing. Trata-se de uma área da administração que tem por objetivo, a partir dos princípios do marketing tradicional, desenvolver estratégias para o público interno da empresa.
Além disso, reciclar-se, investir em informações, sejam elas formais ou informais, assumir riscos de novos projetos, valorizar o conhecimento, a experiência e a criatividade são pré-requisitos de um profissional que esteja mais preocupado em assessorar e menos em executar programas.

Considerações finais
A sociedade global e as atuais tecnologias trazem para a vida contemporânea a vantagem de uma comunicação que pode ser mais profissional e rápida, mais veloz e mais bem embalada.
Mais do que em qualquer outro momento das relações humanas, trabalhar com a comunicação integrada em sua mão-dupla de direitos e deveres; de empresários e trabalhadores, corresponde a um esforço permanente. Talvez estejamos caminhando numa direção em que pensar um modelo de comunicação integrada para as organizações vá além de pensar a relação funcionário-empresa-cliente. Talvez estejamos caminhando em direção de um pensar mais coletivo.
Nesse sentido, a formação do profissional de comunicação social – jornalistas, publicitários, relações públicas etc. – passa a ter um papel fundamental para ultrapassar as fronteiras da desinformação e abrir os olhos para as crueldades e arbitrariedades que são cometidas contra seres humanos em nome do capital. Em outras palavras, a formação de profissionais cidadãos comprometidos com cidadãos talvez seja o ponto de partida para verdadeiros projetos de comunicação integrada nas corporações.
A convivência democrática com a diferença, com pontos de vista díspares (seja de autores, professores ou colegas), complementares e inquietantes e, ao mesmo tempo, o exercício diário de lidar responsavelmente para si e para o outro (seja a fonte de informação, seja o público) com a diversidade, são elementos importantes para uma conduta profissional cidadã.
Assim, ao pensarmos modelos de comunicação integrada para os profissionais do século 21, que inevitavelmente terão como instrumentos de trabalho as tecnologias do mundo globalizado, não devemos apenas nos preocupar com os benéficos que seus resultados possam trazer para o capital, mas também para as pessoas.
Postular a presença da cidadania na prática e na formação do profissional de Comunicação Social significa estimular a reflexão, a revisão e a reestruturação de valores democráticos. Se os meios de comunicação continuam a ser extensões do homem, como pensara McLuhan, cuidemos muito bem de nós para que estendamos o que de melhor pudermos estender.

Bibliografia
CANTO-SPERBER, Monique. "A globalização com ou sem valores". IN: BARRET-DUCROCQ (org). Globalização para quem?: uma discussão sobre os rumos da globalização. São Paulo: Futura, 2004. 50-58 pp.
CASALI, Adriana Machado. Comunicação Integrada e novas tecnologias de informação (2002). Disponível em: http:[//www.eca.usp.br/alaic/material%20congresso%202002/congBolivia2002/trabalhos%20completos%20Bolivia%202002/GT%20%206%20%20margarida%20kunsch/Adriana%20Machado%20Casali%20-%20CO%20y%20RP.doc]. Acesso: 28 de fevereiro de 2006.
DUARTE, Jorge (org). Assessoria de Imprensa e relacionamento com a mídia: teoria e técnica. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2006.
KUNSCH, Margarida Maria Krohling. As organizações modernas necessitam de uma comunicação integrada. Mercado Global, 2º trimestre, 1997, n. 102.
_____. Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada. São Paulo: Summus, 1986.
_____. Relações Públicas e modernidade: novos paradigmas na comunicação organizacional. São Paulo: Summus, 1997.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.
_____. Ciberdemocracia. Lisboa: Instituto Piaget, 2002.
SIQUEIRA, Ethevaldo. "Decisões on line revolucionam a produtividade". O Estado de S.Paulo. Economia, pg. B22. Domingo, 1º de julho de 2007.
TORQUATO do Rego, Guadêncio. Comunicação Empresarial: comunicação institucional. São Paulo: Summus, 1986.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O jornalismo, a cidadania, as tecnologias, o amor e os alunos





As taças: apesar das diferentes formas e cores, base iguais
(Foto: Enio Moraes Júnior)


Enio Moraes Júnior

“Professor, mas como assim, você tem um blog profissional para discutir jornalismo e cidadania e resolve falar sobre amigos e amor? Pode?”, interpelou-me uma aluna de pós-graduação, com um ar de sincera dúvida em relação ao texto Os amigos, as estações e as razões do amor (abaixo) que resolvi publicar neste Blog do Enio imbuído pelo espírito de final de ano.
Confesso que fiquei provocado com a pergunta, especialmente porque quem me dirigia tal assertiva era aluna de uma turma de Tecnologias e Educação na qual eu havia solicitado a criação de blogs para a discussão de assuntos referentes às suas áreas de pesquisas acadêmicas.
Voltei a este blog, li e reli o texto comentado pela aluna... “Mas não é que é verdade?”, pensei. De repente eu havia abandonado a proposta que havia lançado ao criar este blog e disponibilizá-lo como espaço para as reflexões sobre jornalismo e cidadania. De repente este suporte para aulas de cursos de graduação e pós-graduação corria o risco de perder seu sentido...
No entanto, olhei com atenção e me dei conta que as taças que apresento ilustrando o conteúdo do texto, assim como a maioria das coisas da vida, ainda que sejam diferentes em suas cores e formas, têm o mesmo padrão de pés, as mesmas bases...
Então pensei: será que falar sobre jornalismo e cidadania é muito diferente de falar de amigos e amor? Percebi que o que eu sou profissionalmente, as minhas preocupações e interesses acadêmicos são um sintoma claro e direto da minha vida e dos meus valores pessoais. Que ser pensar o jornalismo como prática de cidadania é pensar também o ser humano basilado na prática da amizade e do amor.
Senti com uma clareza cristalina que articular jornalismo a cidadania e associar amizade a amor são uma mesma atitude, algo absolutamente coerente, emanado pelos mesmos valores, pelas mesmas bases, de uma mesma pessoa.
Pensei que a metáfora das taças e suas diferentes formas e cores guardam entre si, também, um mesmo padrão de base. E é exatamente essa base que determina o que somos, seja na vida com a família e com os amigos, seja no cotidiano profissional.
“Então tudo bem”, pensei e resolvi contra-argumentar com a aluna. Passado o intervalo entre as aulas, a procurei para comentar minha descoberta e vi que ela estava postando no seu blog sobre tecnologias educacionais um poema do Fernando Pessoa:

De tudo ficaram três coisas: a certeza
de que estava sempre começando,
a certeza de que era preciso continuar e
a certeza de que seria interrompido antes de terminar.


Percebi que nem precisava comentar a minha descoberta. Ela havia entendido exatamente a mesma coisa, antes de mim, e havia me ensinado!
Achei ótimo e lembrei o que sempre soube: o quanto os alunos, sem saber, são capazes de ensinar aos seus professores. Por isso, lembrei-me também de dedicar estas linhas aos meus alunos do presente, do passado e do futuro – de sempre –, com quem aprendo a cada dia as alquimias do jornalismo, da cidadania, das tecnologias e do amor.