domingo, 21 de fevereiro de 2010

Crônica dos pa-ra-le-le-pí-pe-dos

Enio Moraes     Júnior
Imagem: http://4.bp.blogspot.com/



Palavra igual àquela, jamais havia ouvido ou pronunciado. O esforço para soletrá-la, então, desafiava sua inteligência de menino. E se achava inteligente! As professoras insistiam para que ele conseguisse soletrar e depois das aulas com a Anilde, com a Ana e com a Rosângela, conseguiu: pa-ra-le-le-pí-pe-dos. Paralelepípedos. Ufa!
Pouco tempo depois descobriu também que levava um acento no “I” porque era uma palavra pro-pa-ro-xí-to-na. Proparoxítona. Esta já pronunciava com facilidade! Os paralelepípedos o haviam deixado seguro e confiante para o soletramento de palavras novas e, até então, de pronúncia complicada.
Numa certa altura, deu-se conta que a regra de acentuação de paralelepípedos servia também para proparoxítona. Daí em diante foram tantas as associações entre as palavras, as regras e o mundo a sua volta que jamais parou de querer aprender.
No entanto, havia uma associação prosaica entre os tais paralelepípedos e o universo daquele menino de interior. De alguma forma, ele achava que aqueles cubos pesados que forravam as ruas, e que, vez por outra, ele usava para apoiar ouricuris e quebrá-los com uma pedra menor, só existiam em Penedo, a cidade do interior de Alagoas, no Nordeste do Brasil, onde nascera e morava.
Achou até que o “P” de Penedo devia-se aos tais paralelepípedos. E elucubrava uma razão técnica para isso: sabia que o nome da cidade era derivado de um tipo de rochedo que existia na região. Imaginava que alguém tivesse pego pedaços do rochedo, esculpido em cubos, e coberto as ruas.
Entre uma descoberta e outra, exultava quando o pai ou a mãe conduziam o carro da família pelas ruas de Penedo cobertas por aqueles cubos… A irregularidade característica do tipo de calçamento fazia com que, de vez em quando, o automóvel solavancasse e cada salto era uma diversão. Era um prazer soletrar cada uma das sete sílabas a cada sobressalto: pa-ra-le-le-pí-pe-dos. E ainda torcia para que o solavanco maior coincidisse com o “PÍ”, a sílaba tônica que colocava a sua palavra querida na lista dos proparoxítonos.
Às vezes os pais traziam no carro os irmãos ou as avós, mas o menino ria-se baixinho, para não despertar suspeitas da sua gostosa e secreta viagem. Sair do Largo de Fátima, passar em frente ao Diocesano, descer pelo Rosário Estreito, passar pela rua da Igreja do Rosário, pelo Gabino Besouro, pela Catedral e chegar ao Cais era uma aventura pa-ra-le-le-pi-pe-dística que ele guardava para si como um prezeroso segredo!
Pouco tempo depois, descobriu que outras cidades tinham também os tais paralelepípedos. Não ficou decepcionado. Gostou! Achou que poderia viver em qualquer uma delas. Sentiu que poderia encontrar os cubos de Penedo onde quer que fosse. E foi.
Cresceu e descobriu também que nem todo lugar tem paralelepípedos de verdade, alguns lugares têm ruas lisas, quase encarpetadas. Mas mesmo nesses lugares continuava a sentir na alma os solavancos causados pelos velhos cubos que conhecera na infância.
Foi então que se deu conta que paralelepípedos eram, além dos cubos, sentimentos seus. Eram saltos no peito a cada descoberta feita, a cada conquista realizada, a cada alegria experimentada. Mesmo depois de crescido, jamais esqueceu esta lição. Vez por outra, onde quer que ele esteja, as descobertas e as surpresas da vida lhe solavancam a alma. Então ri baixinho e não se contém: pa-ra-le-le-pí-pe-dos!