quarta-feira, 3 de junho de 2015

Mensagem aos Jornalistas

Enio Moraes Júnior e Luciano Maluly (texto originalmente publicado no Observatório da Imprensa em 02/06/15)

Imagem: divulgação
Os jornais são um produto importante para a organização da vida em sociedade. Diante  das situações do cotidiano, das orientações às dificuldades (como em grandes catástrofes), tornam-se um bem ainda mais fundamental. As notícias não apenas mantêm os cidadãos em estado de alerta, como também problematizam a atualidade, possibilitando o encontro das soluções e, consequentemente, a construção do futuro.
Diante do atual momento de agitação e perplexidade com os acontecimentos da vida política e econômica nacional – quando o jornalismo se torna ainda mais relevante e necessário – são tomadas atitudes contrárias ao que deveria ser o papel da imprensa: mostrar o hoje a alicerçar o amanhã.
No início deste ano, uma série de dispensas abalou o mercado de trabalho para jornalistas. Mais uma vez, a denominação passaralho – um  jargão agressivo para as demissões em massa nos meios de comunicação, que remete às revoadas de pássaros que destroem tudo por onde passam – tomou  conta desse universo.
É certo que a crise brasileira afeta os diversos setores e não seria diferente com as empresas de comunicação. Porém, limitar a discussão ao universo puramente econômico é simples e imediatista, além de ser um erro cometido pelos sujeitos que preferem fugir dos problemas em vez de enfrentá-los.
Começar o debate pela universidade é o mínimo que os acadêmicos (pesquisadores e docentes) podem e devem oferecer aos comunicadores que hoje estão sem trabalho. Em parte, o problema está na formação, ainda fundamentada demasiadamente no ensino dos meios, ou mais, na aplicabilidade das inovações tecnológicas.
Fala-se muito em convergência, compartilhamento, multimídia, entre outras inovações, sem preocupações que deveriam estar intrínsecas ao processo, como a do uso ou dos custos desses recursos pelos usuários e produtores (empresas e jornalistas). Com base no pensador canadense Marshall McLuhan, surge a seguinte questão, que precisa, com urgência, ser respondida pelos profissionais e professores de jornalismo: E a mensagem?
Não é fácil, mas é obvio perceber que a notícia está estagnada e repetitiva, com os jornalistas mais preocupados em conduzir e reproduzir a agenda e a estrutura social do que fomentar novas linhas editoriais aos periódicos. Exemplos não faltam, mas ficaremos com duas pautas, por serem manchetes atuais e frequentes: o esporte e a política.
Observem que, mesmo com a proximidade dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, os noticiários pouco oferecem sobre as demais atividades físicas e as práticas esportivas, preocupando-se ainda com as mesmas modalidades –  neste caso, o futebol, o automobilismo, as lutas e algumas outras que merecem e conquistaram espaço, como o voleibol. Um exemplo do descaso sobre essa cobertura é o ciclismo, que, apesar do impacto causado pelas políticas públicas observadas com a implantação das ciclovias, continua ausente das páginas esportivas. Com isso, pouco se fala sobre os valores olímpicos e do esporte, como a amizade, o respeito, a excelência, a cidadania, o lazer e assim por diante.
Da mesma forma, a cobertura política permanece alicerçada pelas denúncias e pelo universo dos políticos, que fazem do discurso uma base para fugirem de obrigações para com a população. A notícia é construída apenas com base no declaracionismo, sem oportunidade para a análise e a reflexão, tornando o debate privado e não público.
Detecta-se, assim, a superficialidade das coberturas perante as diversas necessidades fundamentais, como a da educação, do meio ambiente, da segurança e da saúde (higiene, saneamento básico, conscientização etc.), que afetam diretamente a vida do cidadão, como agora com a crise hídrica, o surto de dengue e a escalada da violência.
Ensino do jornalismo
A crise do trabalho talvez seja o ponto crucial e, com base apenas nos exemplos acima, para não nos estender em problemas notórios como o sensacionalismo, será preciso repensar a atual situação do ensino do jornalismo. O susto foi grande, com impacto maior nos jornais, especialmente os impressos, cada vez mais sem tinta, sem texto, sem notícia.
Em qualquer tempo, especialmente em momentos de incertezas como o atual vivido no Brasil, a informação é um “direito do cidadão”, como sempre reforçou o professor José Coelho Sobrinho em suas aulas na USP, especialmente quando há o comprometimento com a pluralidade. Cabe então ampliar o repertório com verdades que, assim como as ideologias, ainda permanecem entre os jornalistas. Ou seja, o conhecimento sugere justiça e igualdade.
O jornalista que conhece o seu ofício está comprometido com o público. Alia-se clara e assumidamente aos interesses daqueles que nele confiam. Mais do que contar os fatos em versões bem apuradas, esse profissional sabe o valor de pautas planejadas e com angulações a serviço dos direitos humanos. Na cobertura dos problemas sociais, o repórter sabe que não tem sentido execrar diariamente os criminosos nos canais de TV, muitas vezes gerando mais violência. Ele amplia a pauta, apura e discute questões como os direitos humanos, a qualidade da educação, a formação da polícia civil e militar, as políticas públicas sobre segurança etc.
O jornalista bem formado – e  empenhado na qualidade do seu trabalho – percebe  que a pior mazela que pode acometer uma sociedade não é a miséria do hoje, mas algo decorrente dela: a ausência de um futuro melhor. Ao narrar o presente, ele olha para o cotidiano com a cabeça adiante, no amanhã. O repórter está, assim, intencionalmente comprometido com o cidadão. O professor Manuel Carlos Chaparro prega que a “a responsabilidade do fazer jornalístico é um alerta para que esta atividade possa, de fato, cumprir a sua missão”. Para isso, as escolas precisam formar profissionais éticos para com a sua profissão e comprometidos com as necessidades da população. Em vez de operar as novas tecnologias e privilegiar determinadas fontes (as celebridades, os políticos corruptos), é possível formar jornalistas que conduzam as pessoas ao diálogo pelas notícias alicerçadas na cidadania e no interesse público.
Logo, é permitido sugerir que o “trabalho” será capa do jornal de amanhã, com os repórteres a mudar a história deste país, permitindo ao público, por meio das notícias, dizer que não deseja mais ser explorado pelo pagamento dos tributos ou das parcelas abusivas da casa própria; que quer ter acesso à escola e a saúde de qualidade; que prefere o Brasil da Paz, como se vangloriam os que compatriotas que moram ou visitam o Japão, a Europa e os Estados Unidos; além do mais importante: ter um emprego justo que lhe possibilite, pelo menos, pensar e criar.
Enquanto faculdades e empresas reproduzirem modelos como os atuais, que padronizam a notícia com propostas que privilegiam o consumo em vez da honestidade, os jornalistas estarão fadados aos fracassos e às demissões. Existem saídas, e uma delas é a autonomia, com a possibilidade da abertura de novos espaços com conteúdos diferenciados, plurais, abertos e independentes.
Uma frase conhecida é atribuída ao jornalista Antônio Maria, que a escreveu diante das agressões que sofreu na década de 1950: “Que bobos! Eles pensam que os jornalistas escrevem com as mãos”. A mordaça imposta pelo mercado não irá calar os repórteres.
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Enio Moraes Júnior (ESPM-SP) e Luciano Maluly (USP) são professores de Jornalismo

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Novos caminhos para o profissional e para a profissão

Enio Moraes Júnior (Texto originalmente publicado no Observatório da Imprensa em 24/02/15)
Quais as chaves para entendermos o mundo em que vivemos? Na maior parte dos casos, parte desse entendimento surge do conhecimento derivado das notícias que recebemos dos jornais. Por conta disso, a investigação sobre as notícias e por que elas são como são constitui a grande questão com que se preocupam as teorias do jornalismo.
No mar de possibilidades sobre as notícias, gênese da atividade da imprensa, as teorias do jornalismo são uma trilha fértil para reflexões que dão margem a uma série de proposições ricas e estimulantes. No processo de formação de jornalistas, a sala de aula é um espaço em que se pode unir teoria e prática, levando o aluno a refletir sobre a sua própria prática e a experienciar a sua própria reflexão.
Um primeiro momento dessa atividade diz respeito a desafiar o estudante sobre o jornalismo e a sua função na vida das pessoas. E mais que isso: fazer o estudante pensar sobre a influência que a mídia e a informação têm, hoje em dia, na qualidade da cidadania.
Esse tipo de questão dá margem a discutir e reforçar o jornalismo como um braço vinculado ao interesse público. Daí emergem questões como a pauta, a reportagem e a redação da informação como inerentes a uma tomada de partido: o do cidadão.
Se o jornalismo toma partido, emergem outras questões: até que ponto e de que forma ele constitui um espelho ou uma construção da realidade? Se essas parecem questões de fácil resposta para jornalistas e professores da área, elas ainda tiram do sério e fazem muitos estudantes dos primeiros anos do curso parar para pensar. Embora muitos deles estejam o tempo todo imersos na produção de entrevistas e textos, nem sempre se dão conta da construção, dos processos e interesses que subjazem a notícia.
A prática do metajornalismo
Gatekeeper, Agendamento e Etnoconstrução – Reflexões e explicações para se saber porque as notícias são como são não faltam. Entretanto, o que as teorias do jornalismo terminam por comprovar é que o fazer jornalístico, embora em grande parte esteja nas mãos do jornalista, não fecha seu ciclo nele. Antes de tudo, essas teorias mostram que o jornalismo não é consenso.
O emaranhado de reflexões sobre a natureza da notícia termina por deixar claro que a gênese do jornalismo é a própria contradição. Especialmente nos tempos de hoje, de mutações no jornalismo, o trabalho da imprensa deixa de ser imputado a um modelo de jornalismo para ser produto de jornalismos, no plural.
Dessa forma, as teorias gestadas no século 20 sobre a comunicação e sobre a construção da informação jornalística, bem como teorias mais recentes que germinam entre autores estrangeiros e nacionais, podem servir de combustível para os novos jornalistas, para os jornalistas em formação.
Aprender conceitos como Gatewatching, Nova História e Fractais Biográficos pode render desafios curiosos na formação dos profissionais da imprensa. As teorias podem ser um alimento importante para estimular o estudante à prática do metajornalismo, seja em pingue-pongues ou em reportagens.
Novas descobertas
Além disso, em outras disciplinas ou momentos do curso, essa teorização pode ajudar a criar pautas com perguntas mais audaciosas para as fontes, incentivar a redação de reportagens com mais pertinência e até elaborar projetos de conclusão de curso, os TCC, mais seguros e mais propositivos.
É importante saber fazer reportagens a partir de uma boa pauta e com boa apuração, mas também pode ser desafiador repensar esses processos a partir das mutações que o jornalismo vive hoje; a partir da possibilidade do gatewatching em revisão ao gatekeeper, por exemplo.
Fora da faculdade, no mercado de trabalho, a conhecimento oriundo das teorias pode trazer novos ares para a construção de identidades profissionais. Além disso, poder pensar a profissão abre espaço para atuações jornalísticas menos conservadoras e para o desenvolvimento de atitudes empreendedoras dentro de organizações que existem no mercado ou mesmo em organizações que ainda sequer pensamos que possam existir.
Uma das poucas coisas na vida que nunca faz mal se for feita em excesso é embarcar no estudo daquilo que se gosta. E nessa viagem, que deve ser prazerosa, professores, estudantes e profissionais de jornalismo devem embarcar com uma certeza: toda viagem leva a novas descobertas. Nesse sentido, refletir sobre o próprio objeto de formação pode ser uma trilha para novos caminhos para cada um e para a própria profissão.
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Enio Moraes Júnior é professor universitário, jornalista e doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA / USP), supervisor pedagógico e professor do curso de Jornalismo da ESPM e autor do livro Formação de Jornalistas: elementos para uma pedagogia de ensino do interesse público (Editora Annablume, 2013)