segunda-feira, 24 de abril de 2006

Formação Profissional: quanto custa ser jornalista

Enio Moraes Júnior

Sabendo que sou jornalista e professor de jornalismo, uma amiga que estava interessada em trabalhar na área perguntou se eu sabia quanto custava ser jornalista. Fiquei surpreso com a pergunta, especialmente pela crueza e sinceridade contida num enunciado aparentemente tão simples. Confesso que não soube responder. Rapidamente passaram pela minha cabeça alguns números, mas algo na formulação daquela questão me incomodava e achava que por mais precisa que pudesse ser a resposta, em cifras, algo estaria faltando.
Disse que pensaria a respeito e depois conversaríamos. Antes disso, fiz alguns cálculos: somando dez ou doze mensalidades de uma faculdade na faixa dos R$ 800, o ano sairia por volta dos R$ 8 mil, mas pensando em quatro anos, teríamos R$ 32 mil. Pensei na compra de dez ou vinte livros por ano, algo em torno de R$ 500, teríamos aí R$ 1,5 a 2,5 mil durante do curso. Somando transporte e lanches, chutei: R$ 2 a 3 mil. Mais uma ou outra assinatura de jornal ou revista, provedor de internet, um ou outro equipamento (como gravador, máquina fotográfica etc), um ou outro congresso: mais uns R$ 15 mil.
Como números nunca foram o meu forte, resolvi sintetizar: ser jornalista custa mais ou menos o preço de uma quitinete razoável no centro de São Paulo. Pronto! Mas havia algo na pergunta que ainda me deixava em dúvida. Alguns dias depois, minha amiga me procurou:
- E então, quanto custa ser jornalista? Estou perguntando porque, dependendo do valor, talvez eu faça outro curso...
Disse ainda que talvez cursasse Letras, Moda, Direito ou mais uma ou duas opções que não lembro agora. Fiquei surpreso com o leque de possibilidades e voltei atrás na resposta da quitinete. Observei que ao invés de perguntar “quanto custa”, deveria pensar em “o que custa”. E melhor ainda: em “o quanto vale um jornalista”.
Jornalista não se faz, apenas, jornalista principalmente se é. O sentimento de ser jornalista não se compra. Claro que a escola, a formação, o contato com as teorias e a prática laboratorial da profissão são fundamentais para o aprendizado, mas na sociedade de consumo, o sentimento da “venda” de tudo quanto é coisa conseguiu distorcer e fazer se perder, em nós, a verdadeira essência das coisas.
“Quanto custa” ser jornalista é a parte menos importante de “o que” é ser jornalista. Essa visão é importantíssima para que aqueles que pretendem seguir a carreira entendam o que estão fazendo na faculdade e possam tirar o maior proveito possível do curso, da formação e da profissão.
A primeira coisa que alguém interessado na área ou um aluno deve fazer, nesse sentido, é responder para si mesmo o que é jornalismo. Muita gente não sabe. Apesar de os diversos autores conceituarem o jornalismo de diferentes formas, cada indivíduo vai chegar ao seu próprio conceito levando em conta sua relação com seus conhecimentos de mundo, com o outro, suas experiências etc.
Pessoalmente, associo o jornalismo a um espaço de construção da cidadania em que os direitos e os deveres de cada indivíduo são preservados e defendidos. No meu entendimento, o jornalismo tem um aporte humano e ético indiscutíveis, mesmo que muito do que exista no mercado e se apresente como jornalismo tenha que ser jogado no lixo, abandonado, e pouco do que eu conceba e defenda seja efetivamente praticado.
Ainda que possa ser fomentada no espaço familiar, nas relações sociais e pelos veículos de comunicação, a cidadania tem na escola um importante campo de discussão. No caso da formação do jornalista, embora contemplada nos currículos universitários, um dos aportes mais importantes da formação cidadã está na relação que os professores estabelecem com os alunos. Foi isto, inclusive, que revelou a pesquisa de mestrado A Formação Cidadã do Jornalista no Brasil, que acabo de concluir na Escola de Comunicações e Artes – ECA – da Universidade de São Paulo. O estudo de caso da formação de estudantes de Jornalismo da ECA indicou que cidadania é mais que um conteúdo a ser ensinado curricularmente: ela é trabalhada principalmente nos referenciais pedagógicos, na didática e, enfim, na relação que o docente estabelece com seus alunos.
Respeitar o aluno como cidadão talvez seja o principal estímulo que o professor possa dar aos estudantes para que eles possam responsabilizar-se por suas vidas, por sua formação e por sua profissão. O papel do professor é fundamental para que o educando conquiste sua cidadania e saiba também o que é respeitar, do ponto de vista dessa mesma cidadania, o público da informação jornalística para o qual ele deve trabalhar e a quem, de fato, ele deve servir. Este aprendizado não pode ser expresso em valores, em cifras, mas em significado. Não há, portanto, como falar em “quanto custa”.
Nesse sentido, convenci minha amiga de que ser jornalista, empenhar-se em uma formação na área, implica num esforço permanente de respeito ao outro e ao mundo em que se vive. Implica em algumas noites sem dormir, leituras atentas – e não apenas de livros, mas das pessoas e da vida –, algumas doses de indignação, inquietação e esperança. Muitas vezes tudo isso numa quitinete – nem sempre razoável – no centro de São Paulo. Em todo caso, ser jornalista vale a pena, porque vale ‘o outro’ e um mundo melhor. Parodiando Fernando Pessoa: vale a pena, ‘a alma não fica pequena’.

quinta-feira, 13 de abril de 2006

Ensinar cidadania é ultrapassar as “grades” curriculares

Enio Moraes Júnior

O princípio da cidadania contemporânea está a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, produto das revoluções Inglesa, Americana e Francesa do século XVIII e fundamenta-se na formação dos Estados-nacionais. Hoje, no entanto, uma discussão que vem avançando diz respeito à cidadania planetária, que implica numa noção de comunidade e interação mundial em que todas as pessoas são responsáveis pelo futuro e pela vida do planeta. Assim, a cidadania ganha uma nova dimensão e passa, ainda que seja também nacional, a ser global, universal.
Ser cidadão não é apenas pertencer a uma nação, mas ter consciência de fazer parte do destino do mundo e, por isso, ter compromissos e responsabilidades com ele, seja em seus aspectos polícias, sociais ou ambientais. A cidadania implica, assim, numa interação constante e incessante entre direitos e deveres de cada indivíduo para consigo, para com o outro e para com o planeta.
Embora possa ser discutida e estimulada no espaço familiar, nas relações sociais, pelos veículos de comunicação etc., a cidadania tem na escola um importante campo de discussão. No caso específico da formação superior do jornalista, embora os currículos universitários contemplem o assunto e conceitos correlatos como direitos humanos, democracia, ética e responsabilidade social, um dos aportes mais importantes da formação cidadã está na relação que os professores estabelecem com os alunos. Foi isto que revelou a pesquisa que resultou na dissertação de mestrado A Formação Cidadã do Jornalista no Brasil, que acabo de concluir na Escola de Comunicações e Artes – ECA – da Universidade de São Paulo.
O estudo de caso da formação de estudantes de Jornalismo da ECA indicou que cidadania é mais que um conteúdo a ser ensinado curricularmente: ela é trabalhada principalmente nos referenciais pedagógicos, na didática e, enfim, na relação que o docente estabelece com seus alunos.
O cientista norte-americano Carl Rogers, que em suas pesquisas uniu psicologia e educação, já falava, nos anos 60, sobre o ensino centrado no estudante. Para ele, o aluno não poderia ser visto pelo professor como um copo vazio. Com uma clara sintonia com o pensamento de Paulo Freire, a educação rogeriana potencializa os conhecimentos e as experiências do educando.
Para Rogers, o processo de aprendizagem pode ser facilitado se o professor for ‘congruente’. Ou seja, implica que ele tenha uma consciência plena das atitudes que assume. Numa perspectiva rogeriana, portanto, o professor não seria um exercício abstrato das exigências curriculares ou um canal através do qual o saber passa através das gerações.
Tanto para Freire como para Rogers, o docente não pode ser um mero instrumento de aplicação do currículo, mas um sujeito ativo e coerente com o que ensina e comprometido com um projeto de formação que respeita o educando. A educação tomada nesse sentido tem potencializado a formação de jornalistas comprometidos com os direitos humanos, com o planeta e, sobretudo, responsáveis por sua formação e por sua carreira. Esse é, de forma geral, o melhor caminho para a formação de pessoas críticas e cidadãs.
O contrário disso seriam reprodutores das exigências de mercado incapazes de esboçar críticas à ideologia dominante e defender os interesses, de fato, públicos. Eis a pior prática do jornalismo: não aquela que corrompe propositalmente o sentido cidadão e público da profissão, mas aquela que age dessa forma por despreparo intelectual ou desaviso do jornalista.
A esse respeito o professor Manuel Carlos Chaparro, da USP, considera que, além do domínio técnico da profissão (boa redação, manuseio de equipamentos etc), o jornalista formado pelas universidades deve ser um profissional com aptidões intelectuais, “capaz de apreender, atribuir significados e dar exposição social confiável (isto é, independente, crítica e honesta) aos conflitos discursivos da atualidade”.
Se para Freire, a educação é elemento fundamental para a libertação de cada indivíduo e, para Rogers, ela é essencial na potencialização de cada educando, tratando especificamente do caso específico do Jornalismo, Chaparro conclui que uma boa formação une à técnica uma sólida base humanística e, portanto, compromisso e respeito por si e pelo outro. A pesquisa A Formação Cidadã do Jornalista no Brasil aponta que essa ação começa em sala de aula como compromisso do professor e é imprescindível para o papel cidadão que o jornalista passa a atribuir à sua profissão.
Na condição de professor, respeitar o aluno como cidadão é um estímulo fundamental para os estudantes aceitarem responsabilizarem-se por suas vidas, por sua formação e por sua profissão. O papel do professor tem sido fundamental, enfim, para que o educando conquiste sua cidadania e saiba também o que é respeitar, do ponto de vista dessa mesma cidadania, o público da informação jornalística para o qual ele deve trabalhar e a quem, de fato, ele deve servir.