sexta-feira, 9 de março de 2007

Um corte de arrepiar...

Enio Moraes Júnior

Quem gostou do clima mordaz de O Quarto Poder (EUA,1998), com as artimanhas de um Dustin Hoffman muito mal intencionado na pele do jornalista Max Brackett, certamente vai gostar muito mais de O Corte (Bélgica, Espanha, França: 2005). Desta vez, a crítica política do diretor Costa-Gavras não recai sobre o jornalismo ou outra profissão, mas dirige-se ao mundo do trabalho, ou melhor, do desemprego.
Em O Corte, a questão da concorrência, das neuroses e da solidão no mundo dos negócios atinge um grau máximo e inquietante. José Garcia é Bruno, um ex-funcionário do alto escalão do ramo de papéis. Depois de passar dois anos procurando, sem êxito, voltar ao mercado de trabalho, o personagem quarentão, casado, pai de dois filhos adolescentes, sente-se preterido em relação a concorrentes mais novos ou potencialmente mais preparados que ele e encontra uma saída para o seu problema: matá-los.
Enquanto mata, Bruno desfila o corte irrepreensível dos ternos que usa e permanece insuspeito, até mesmo quando engana a polícia – com o mais fino cinismo – para esconder os roubos de equipamento de informática praticados pelo filho mais velho... Os gregos, que criaram as bases da democracia moderna, ficariam de cabelo em pé ao ver o rumo assustador e mesquinho que tomou a vida privada em detrimento da vida pública.
Para uma geração que passou a adolescência tendo pesadelos e arrepios com os cortes de filmes como Pânico e Sexta-feira 13, eis que Costa-Gavras mostra que não é nada disso. O verdadeiro corte de O Corte é muito mais que uma ficção capaz de assustar crianças. Para a geração atual de adultos, os abomináveis Freddie Krueger e Jason foram substituídos pela dilaceração da alma ao deixá-la perturbada com os rumos que a vida real tem tomado nestes tempos de famigerada globalização.