sábado, 12 de maio de 2012

Webjornalismo, uma janela para a imprensa

Enio Moraes Júnior
(Texto originalmente publicado na Revista Alterjor, da USP)

Magaly Prado é de uma geração que nasceu, cresceu, graduou-se e começou a trabalhar sem sequer pensar que um dia poderia existir algo chamado internet. Aliás, a geração de jornalistas a que pertence Magaly pautou, apurou e publicou muita informação sem Google, Twitter ou Facebook. Entretanto, hoje, essa mesma geração conhece bem as armadilhas e as facilidades do jornalismo produzido com auxílio das tecnologias digitais. E Magaly Prado, autora de Webjornalismo, não é uma exceção.

Com uma linguagem coloquial, a obra é endereçada a usuários e interessados em web, gente que não vacila diante das ebulições provocadas pelo ciberespaço. Se, por um lado, o livro ganha ares de manual de webjornalismo, por outro, é enriquecido pelo fôlego da autora, por entrevistas e depoimentos de jornalistas e pela apresentação de casos que apimentam discussões importantes sobre novos significados do jornalismo e, consequentemente, dos fazeres e atribuições dos profissionais da imprensa.

Um ponto alto da obra são as desmistificações de alguns mal entendidos entre conceitos convergentes do webjornalismo, como jornalismo colaborativo e jornalismo multimídia. Percurso que, aliás, a autora esboça na apresentação da obra e aprofunda com firmeza nos capítulos seguintes. Magaly Prado trata do surgimento do jornalismo na web e, a partir da Arpanet norte-americana dos anos 60, traça um painel das mudanças que as tecnologias estão trazendo para o jornalismo. Integração entre impresso e digital e entre jornalistas e colaboradores são algumas das mudanças assinaladas.

O novo fazer jornalístico evocado pelo ciberjornalismo, pela união entre o papel e a web, as implicações disso em uma nova arquitetura de informação e navegação não são apenas tomados em uma abordagem pragmática, reduzida a normas, a regras que plasmam um modus operandi para a atuação dos profissionais da imprensa. Pelo contrário, o novo fazer jornalístico é sistematicamente problematizado.

Como não podia deixar de caber a um livro sério sobre jornalismo, as questões éticas na rede são ali discutidas. Problematizações hoje imprescindíveis para o webjornalismo, como a autoria e o furo jornalístico, são abordados dentro de matizes de uma ética que deve permanecer intacta, ainda que as tecnologias tenham alterado o fazer da profissão.

Ademais, o livro aglutina discussões sobre pontos ainda pouco sistematizados nos ambientes acadêmicos, embora muito comuns no jornalismo, como o uso dos blogs e das redes sociais pela imprensa, a exploração do potencial da web 2.0 e o papel do público e do jornalista na construção da notícia.

E nesse ponto vale uma ressalva. Sem ser essa sua intenção, o livro levanta algumas questões como: o público está preparado para participar do jornalismo colaborativo? Quais, do ponto de vista desse público, as regras de conduta a seguir? Quais os limites da sua participação e como torná-la mais efetiva sem que se
comprometa o papel do jornalista nesse processo? Essas são provocações esboçadas por Magaly Prado e em relação às quais ela poderia entusiasmar-se e se debruçar para atender às inquietações causadas aos seus leitores. Se o fizer, o fará com a mesma competência que demonstra neste trabalho.

Em síntese, Webjornalismo ensina jornalismo para os próximos anos não apenas como técnica, mas como estética e ética. Como diz Manuel Carlos Chaparro, professor e pesquisador de jornalismo da Universidade de São Paulo, é a tríade ética, técnica e estética do relato veraz que faz o jornalismo de qualidade a serviço da democracia. É com base nessa mirada que o trabalho de Magaly Prado esclarece pontos para que o jornalismo contemporâneo seja entendido como uma web para o jornalismo, uma rede em que jornalistas, conteúdo e público se encontram, negociam seus papéis e constroem a informação indispensável para a cidadania e para o interesse público.

O fôlego, a leveza e a atualidade da obra constituem prova de que Magaly Prado fazem parte de uma geração que adora desafios e que tem o que dizer sobre um jornalismo que fez consolidar-se o webjornalismo, e aí não se tem mais como parar. Mas tudo isso sem se perder de vista do fundamental do jornalismo. Como sentencia a autora, embora a plataforma digital altere o fazer jornalístico, jornalismo é jornalismo em qualquer plataforma. Em outras palavras, o que Magaly Prado propõe é que o webjornalismo será tão melhor quanto mais a serviço dos interesses dos cidadãos ele se colocar. Por isso, é importante que a teoria e a praxis desse jornalismo sejam conhecidas.
 
SERVIÇO:
PRADO, Magaly. Webjornalismo. Rio de Janeiro: LTC, 2011. 241p.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Toda chuva molha, mas nem sempre transtorna

Enio Moraes Júnior (texto originalmente publicado no Observatório da Imprensa em 31/01/12)
Estava prestes a sair para trabalhar. Ao abrir a janela do apartamento, deparei com uma chuva densa e intermitente. As águas corriam caudalosas rentes ao meio-fio da calçada. Era mais uma dessas cenas comuns na grande São Paulo nesse início de ano e que tem causado transtornos na vida de muita gente. Do outro lado da rua, um grupo de adolescentes brincava com a água. A chuva parecia não ter dificultado em nada suas vidas. Eram uma exceção, provavelmente, e seus risos e brincadeiras me fizeram parar para pensar por que alguns de nós costumamos rir quando estamos na chuva.
Arrisquei um palpite: quando ficamos reféns dessas gotas d’água caídas do céu lembramos que nosso poder sobre o mundo e sobre as coisas é finito. Viramos crianças novamente. Desse jeito, excetuando-se casos de maiores tragédias, só nos resta nos molhar e rir daquela situação inusitada, às vezes constrangedora. Foi aí que pensei o quanto tenho lido, nos jornais, reportagens tensas – porém necessárias – sobre as tragédias da chuva Brasil afora. Mas também lembrei que Fred Astaire cantou na chuva e que, especialmente em São Paulo, o ar fica mais puro depois dos temporais. Pensei que os jornalistas bem que poderiam, além das reportagens sobre os transtornos causados pela chuva, escrever crônicas para contar histórias como a dos adolescentes que eu via pela janela.
Ao lembrar as reportagens que tinha lido e lamentar a ausência de crônicas, percebi que exercitava meu pensamento no âmbito dos gêneros jornalísticos. E, assim como observar a chuva, esses gêneros podem ser um caminho curioso para aprender e fazer jornalismo.
Ensaios que aprofundem a discussão
Em uma obra recente, os pesquisadores José Marques de Melo e Francisco de Assis (2010) – articulados a outros autores cujos textos constituem capítulos da obra – sistematizam cinco gêneros jornalísticos na imprensa brasileira e estabelecem, em cada um, formatos específicos. Segundo os autores, o gênero informativo, por exemplo, apresenta pelo menos quatro formatos: nota, notícia, reportagem e entrevista. Os demais gêneros – opinativo, interpretativo, diversional e utilitário –, por sua vez, também guardam suas modalidades.
Entretanto, essa classificação não é estanque. Gêneros e formatos podem variar espacial e temporalmente. Ou seja: ao ser um caminho para se compreender o jornalismo praticado em uma sociedade de um determinado tempo, os gêneros são também uma pista para se compreender cada grupo social. Essa já é, em si, uma razão para se ensinar e se estudar os gêneros jornalísticos como parte da formação do profissional da imprensa.
Mas há outras. O entendimento dos gêneros é uma forma de o jornalista compreender e qualificar a sua própria atuação. São o estudo e o ensino dessas questões que permitem pensar, na hora de conceber uma pauta e construir uma informação, questões do tipo: qual o melhor gênero e, dentro desse gênero, qual o formato mais coerente para elaborar a informação que pretendo transmitir? Dentro da rotina jornalística, muitas vezes, o que se pensou que poderia informar por meio de uma reportagem pode funcionar melhor se for publicada como uma entrevista pingue-pongue em que a fala de um dos entrevistados ganhe força, autonomia.
Do lado do público, pensar questões desse tipo pode ser fundamental para resolver outras equações, como por exemplo: qual o melhor gênero e formato para estabelecer uma comunicação mais qualificada com o público? Às vezes, o público está tão ávido por informações abalizadas sobre um assunto que uma reportagem não é suficiente esclarecê-lo. Jornalistas experientes sabem disso. Eles sabem que pode ser hora de, às reportagens das páginas noticiosas, articular, nas páginas de opinião, ensaios escritos por especialistas que aprofundem a discussão.
A chuva ensinou
O ensino dos gêneros jornalísticos pode ganhar conotação especial no webjornalismo. Como articular os recursos multimidiáticos para elaborar a informação e atingir, de forma mais qualificada, o público da web? Mesclar jornalismo informativo com jornalismo opinativo e articular reportagens em profundidade e testemunhos em vídeo, por exemplo, pode ser um caminho para a construção da informação online. Mas para isso, precisa-se também estudar e compreender os gêneros.
Alguns minutos depois, as gotas d’água insistiam em cair do céu. Tomei o elevador do prédio e saí de casa em direção ao trabalho. Na rua, voltei meu olhar, mais uma vez, para as pessoas que caminhavam por ali. Observei que a rotina delas estava definitivamente alterada. Não apenas pelos inconvenientes de tanta água, mas também pelos risos, hora constrangidos, hora quase infantis, que as gotas faziam brotar.
Toda chuva molha, mas nem sempre transtorna. E a chuva que, naquela tarde, caía em São Paulo, ensinou-me um pouco mais sobre jornalismo. Aprendi que o ensino dos gêneros é importante para lembrar que o jornalismo tem muitos outros lados de histórias para contar!
Referências
BELTRÃO, Luiz. A Imprensa Informativa: técnica da notícia e da reportagem no jornal diário. São Paulo: Folco Masucci, 1969.
CHAPARRO, Manuel Carlos. “A Eficácia das Formas não se opõe à Arte de Escrever. O Xis da Questão”. Disponível em: www.oxisdaquestao.com.br. São Paulo: sd.
MARQUES DE MELO, José. Jornalismo Opinativo. Campos do Jordão: Mantiqueira, 2003.
MARQUES DE MELO, José: ASSIS, Francisco de. Gêneros Jornalísticos no Brasil. São Paulo: Metodista, 2010.
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[Enio Moraes Júnior é jornalista e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo eprofessor dos cursos de Jornalismo da ESPM-SP e da ECA-USP]