sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Educação cidadã: Um caminho para ser jornalista

Enio Moraes Júnior
"Vale a pena ser jornalista?". Deparei com este título num artigo escrito por Fernando Evangelista na edição de dezembro da revista Caros Amigos. Depois do relato de diversas circunstâncias que colocaram em xeque as suas certezas a respeito da profissão, o autor concluiu, enfático:

Vale (a pena) se tivermos ânimo para ultrapassar as fronteiras proibidas, fronteiras bloqueadas pela censura, pela ignorância, pela mentira. Vale ser tivermos os olhos bem atentos, para ver o delicado, o diferente, o invisível. É preciso coragem para se comprometer, para dizer o que se vê e o que se sente, sem medos nem manuais.

Penso que a educação, a escola e a formação profissional têm um papel fundamental para fazer valer a pena ser jornalista, ou seja, para ultrapassar as fronteiras da desinformação e abrir os olhos para as crueldades e arbitrariedades que vêm sendo cometidas contra seres humanos em nome do capital. Em outras palavras, penso que a formação de jornalistas cidadãos comprometidos com cidadãos seja o ponto de partida para valer a pena ser jornalista.
Num mundo globalizado, de alto desenvolvimento tecnológico, mas que ainda tem muito que aprender e implementar no que diz respeito às relações humanas, pensar a educação é desenvolver um sentimento de cidadania e alteridade. Como observa Gilberto Dupas (2001: 123):

(...) é preciso buscar condições para que uma nova hegemonia mundial, que inclua mas não constranja o capital, possa construir um mundo melhor, utilizando-se dos avanços da ciência em benefício da grande maioria de seus cidadãos.

Assim, é importante que as escolas de Jornalismo tenham como parte do seu projeto pedagógico o estímulo ao diálogo, à troca e a uma visão holística do aluno. É imprescindível como forma de sobrepujança do humano ao capital uma formação comprometida com a cidadania centrada "na pessoa" do estudante, como observa Carl Rogers (1973), e responsabilizando politicamente o educando, como diz Paulo Freire (1987).
Na formação profissional do jornalista, a convivência democrática com a diferença, com pontos de vista díspares (seja de autores, professores ou colegas), complementares e inquietantes e, ao mesmo tempo, o exercício diário de lidar responsavelmente para si e para o outro (seja a fonte de informação, seja o público) com a diversidade, são elementos importantes para uma conduta profissional cidadã. No entanto, esse resultado só será conseguido se a cidadania for discutida – e praticada – na escola; na formação do jornalista.

Jornalismo e novas tecnologias

Embora a formação curricular do jornalista seja importante para a apreensão do conceito de cidadania por fundamentá-lo teoricamente, só cidadãos e espaços cidadãos formam, de fato, cidadãos. Currículos, professores e práticas laboratoriais que não abram o aluno para o diálogo com as diferenças e a realização de suas potencialidades dificilmente conseguirão formar jornalistas comprometidos com os direitos humanos, com a democracia, com ética e com a responsabilidade cidadã da profissão.
Assim, ao pensarmos um modelo de formação para o jornalista do século 21, que inevitavelmente terá como instrumentos profissionais as novas tecnologias do mundo globalizado, não devemos apenas nos preocupar com o currículo, mas também com a relação do discente com o mundo acadêmico, com o docente e, principalmente, com a construção de sujeitos autônomos.
Postular a presença da cidadania na formação do jornalista neste novo momento da ordem econômica mundial significa estimular a reflexão, a revisão e a reestruturação de valores democráticos. Talvez possamos pensar uma formação em que o jornalismo tenha um espaço amplo a ocupar no contexto da ciberdemocracia, como propõe Lévy, (2003); na efetivação de um mundo em que o poder (de poucos) seja substituído pela potência (de muitos).
É neste sentido que Gadotti (2000) estabelece também as suas reflexões sobre educação. Para ele, neste novo milênio deve-se ter em vista uma cidadania não apenas nacional, baseada no conceito de Estado-nação. Educar significa, sobretudo, preocupar-se com uma cidadania planetária em que os indivíduos não mais podem ser vistos como parte de ‘blocos’, mas como pessoas que necessitam estabelecer laços de colaboração em nome da sobrevivência do próprio planeta.

Refletir sobre a formação que deve ser proposta ao estudante de jornalismo é pensar, junto com ele, que tipo de mundo se quer para os próximos anos e se queremos, de fato, o jornalismo como um elemento integrador de uma comunidade global e democrática. A partir daí, formando cidadãos que estejam a serviço de cidadãos, a educação e a escola estarão dando a sua contribuição para que valha a pena ser jornalista.
O caminho é árduo, mas uma educação cidadã é também um trajeto possível e necessário para um mundo mais justo e mais humano, mesmo que a lógica desumana do capital e sua ideologia não o queiram. Como concluiu Evangelista, "Só vale a pena ser jornalista se for – como cantou Torquato Neto – para ‘desafinar o coro dos contentes’."

Referências bibliográficas
DUPAS, Gilberto. Ética e Poder na Sociedade da Informação. 2ª ed. São Paulo: Unesp, 2001.
EVANGELISTA, Fernando. Vale a pena ser jornalista? Caros Amigos. Ano X. Número 117, dezembro de 2006. P. 17.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra. Série Brasil Cidadão. São Paulo: Pierópolis, 2000.
PIERRE, Lévy. Pela Ciberdemocracia. IN: MORAES, Dênis de (Org.). Por uma Outra Comunicação, Rio de Janeiro, Record, 2003.
ROGERS, Carl R. Tornar-se Pessoa. Lisboa: Moraes Editores (Martins Fontes), 1973.

sábado, 13 de janeiro de 2007

O Chá da diversidade dos sonhos

Enio Moraes Júnior

Você já ouviu alguma coisa do grupo pernambucano Chá de Zabumba? Pois eu já, e garanto: para quem gosta, é um dos melhores grupos de forró contemporâneo. No mais recente trabalho, Pra Sambar um Forrozinho, bem mais que música, os integrantes do grupo fazem uma verdadeira louvação à cultura nordestina, de raiz. Como eles mesmos afirmam, “a banda apresenta um jeito próprio de fazer forró, valorizando a tradição e flertando com a inovação”.
Talvez seja exatamente esse flerte com o futuro, sem deixar de trazer as marcas do passado, a grande marca da banda. Em época de globalização, viva o global!, mas que sobreviva e viva também o regional.
Teóricos e pensadores da globalização como Pierre Lévy e Jesus Martín-Barbero têm observado que o século XXI nos aguarda mais abertos, mais diversos, mas não como um todo sem base, sem vida, e sim com as peculiaridades das nossas raízes. É exatamente esta sacada que está presente, reluzente e quente no Chá.
No calor de Pra Sambar um Forrozinho, que é o segundo CD do grupo, a canção Sambastral é uma viagem, talvez o gole que deixa mais claro o espírito da banda: “Remexendo entre as estrelas tanto faz para cima ou para baixo / Eu sei: quem samba na terra também samba no espaço”. Mas no conjunto, o CD é uma reverência à alegria e ao amor que têm como matriz valores nordestinos, “um-não-sei-quê” de afeto, simplicidade e religiosidade.
Além de tocarem projetos sociais e culturais, como o Batuque Book, que prevê a edição de livros-CD-ROMs com música tradicional de Pernambuco, o grupo já está preparando um novo trabalho. Vamos torcer para que no terceiro chá, que está em fase de produção, Climério de Oliveira, Clima (voz, violão), Cleyton Coquinho (zabumba, vocal), Adriano Sargaço (triângulo, guitarra, vocal), Tarcísio Resende (percussão, vocal) e os músicos Eudes Ciriano (baixo, vocal) e Manuelzinho (sanfona) conservem o calor e o espírito de Pra Sambar um Forrozinho, de 2004, e VamoVadiá, de 2002.
Conheci o Chá há poucos dias, casualmente, numa viagem de ônibus Jequié (BA) – Aracaju (SE), por meio de uma menina que tem na cor da pele a diversidade dos sonhos do mundo, a Hosana, que faz a divulgação do grupo e entregou-me um CD. Presente dela para mim, do grupo para o público, de Pernambuco para o Brasil.
Chá, quando quiser zabumbar, é só chegar com o bule que eu chego com as xícaras para compartilhar a diversidade dos sonhos do mundo que o grupo também traz na alma da música que faz.
(Para maiores goles do Chá: www.chadezabumba.com).