sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Ciberexistência, comunicação, educação (Parte I)


Enio Moraes Júnior
Orkut, uma das comunidades virtuais mais acessadas no Brasil: crianças, jovens e adultos unidos em torno de discussões - muitas vezes pouco produtivas - no novo espaço público. Mas uma certeza: pessoas e vozes que se redimensionam, ciberexistem


Gostaria de começar essa nossa conversa, na qual pretendemos discutir a presença das novas tecnologias em nossas vidas, ou melhor, a presença das nossas vidas nas mídias neotecnológicas – fenômeno esse que chamo de ciberexistência – apoiando-me em três conceitos chave: cidadania planetária, mídias digitais e educação.
Em primeiro lugar, acho importante situarmos que a existência humana nesse planeta é marcada por uma única condição: a vida do próprio planeta. Temos nos deparado diariamente com esse fato nos jornais. Mas as estatísticas e prognósticos de destruição do planeta têm sido tão constantemente anunciados quanto ameaçadoras, ou melhor: responsabilizadoras.
Segundo o relatório divulgado em maio pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), órgão ligado à ONU, é possível deter o aquecimento global se o processo de redução das emissões for iniciado antes de 2015. De acordo com o documento, para combater o aquecimento, a humanidade terá de diminuir de 50% a 85% as emissões de gás carbônico até a metade deste século.
Ainda que existam algumas ressalvas quanto aos seus aspectos mercantilistas, o Protocolo de Kyoto, um acordo assinado por diversos países em 1997, na cidade de Kyoto, no Japão, traduz muito bem a gravidade das questões climáticas na Terra.
O documento prevê a redução de poluentes ambientais como os gases que produzem o efeito estufa, o que significa que os países têm metas de não-poluição a cumprir. Aqueles que superarem o cumprimento dessas metas podem vender parcelas excedentes aos países que ficaram abaixo das metas por meio dos créditos de carbono.
Embora haja críticas ao modo mercantil como o Protocolo trata a natureza e o planeta, uma questão tem ficado cada vez mais clara: a emergência e a consolidação daquilo que alguns autores contemporâneos têm chamado de cidadania planetária.

A cidadania planetária é condição humana atávica. O conceito perde gradativamente a sua significação inicial – cujo grande marco é a Revolução Francesa – de cidadania nacional. Embora seja nas civilizações dos gregos e dos romanos (séculos IX e VIII a.C) que a cidadania desenvolva o importante alicerce da dimensão política que encubia nobres e proprietários a participarem do destino cidade, é na Idade Moderna (séculos XIII a XVIII), com o fortalecimento dos Estados-nação, que ela ganha seu contorno mais significativo. A partir daí ela implica a defesa dos direitos humanos e da democracia, em cuja base está a nacionalidade.
Hoje, entretanto, a cidadania passa a ter uma abrangência global, sendo entendida como uma cidadania planetária. No seio dessa concepção está exatamente a concepção de que qualquer mal que seja feito ao meio ambiente, em qualquer nação ou continente, tem implicações não apenas locais, mas globais; afeta o mundo todo, o planeta. Daí falarmos numa cidadania planetária.
Por exemplo, quando nos preocupamos com a questão da Amazônia, embora haja críticas de que os reais interesses da América (dos Estados Unidos) seja com a água da região, para além disso, o mundo todo – os países da América Latina, da Europa, da Ásia e da África – estão na verdade preocupados com a preservação do meio ambiente, da fauna, da flora e como a vida e a sustentabilidade do planeta.
Segundo o relatório do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas, um dos maiores problemas do Brasil na emissão de gases é o desmatamento. Os resultados da pesquisa mostram que as queimadas conseqüentes da destruição das florestas significam 75% das emissões brasileiras.
Exercer, portanto, uma cidadania planetária é defender o planeta e isso pode ser colocado como condição atávica da existência humana acima de toda e qualquer nacionalidade.

Mas o que podemos falar sobre as mídias digitais, a globalização e a ciberexistência? Aqui chegamos num segundo ponto que, aparentemente, tem pouco a ver com esse primeiro, a cidadania planetária. Nesse momento da discussão é importante observarmos que o sentido ecológico de uma cidadania planetária irmana-se, do ponto de vista econômico, de uma polêmica globalização.
Por que polêmica? Porque se, por um lado, a globalização tem sido acusada de distanciar as pessoas no nível sócio-econômico, enriquecendo os ricos e empobrecendo os pobres, por outro, ela também tem nos aproximado e, por trás dessa aproximação, está exatamente o papel dos meios de comunicação, das mídias digitais e das novas tecnologias.
A globalização traz vantagens e desvantagens, e é irrefutável a idéia de que hoje nós acessamos com maior facilidade informações sobre outras regiões do país, sobre países, povos e culturas. Nesse sentido, podemos participar de forma mais articulada – no que diz respeito ao background de informação que temos – de processos ligados à defesa do outro e do planeta. Esse outro, por sua vez, deixa de ser um outro politicamente regionalizado, do mesmo país, e passa a ser um outro planetarizado, o que alguns autores têm chamado de outro-universal.

A ciberexistência implica a emergência de uma nova forma de sociedade. A possibilidade de existirmos, portanto, numa nova esfera e dimensão na vida terrena, de constituirmos paralelamente à vida social cotidiana, uma sociedade em rede, com novas formas de socialização, abre os precedentes para um novo olhar e conhecimento sobre esse outro-universal e sobre o planeta. Acho curioso que a palavra ciberexistência seja formada pelo prefixo CIBER, em inglês CYBER, que significa “piloto, dirigente” e EXISTÊNCIA, existir. Isso me leva a pensar que ciberexistir significa dirigir a própria vida ou pelo menos ter em mãos os instrumentos que possibilitem isso de forma mais efetiva.
Assim, ciberexistir é exatamente, a partir das tecnologias, especialmente da Internet, trazer a vida a uma nova dimensão informacional e cognitiva das pessoas e do mundo. Ciberexistir, portanto, deve implicar exatamente a defesa dessa condição humana que começa com a defesa da própria vida do planeta.
A ciberexistência é um conceito em que tenho pensado para entender a vida em sua dimensão contemporânea e neotecnológica. Tenho apoiado-me especialmente em dois autores. Um deles é Muniz Sodré, que no livro Antropológica do Espelho reflete sobre uma nova dimensão humana trazida pelas mídias – o bios midiático. Segundo o autor, nas sociedades contemporâneas globalizadas a mídia assumiu um poder e intensidade tais, que é por meio dela que os indivíduos relacionam-se – vinculam-se – no espaço social.
Essa vinculação, como observa o outro autor, Manuel Castells, em Sociedade em Rede, traz-nos a uma nova forma de vida social na qual estamos enredados. Um ponto importante no pensamento do autor é que a sociedade em rede é uma forma de sociedade que construímos e que vivenciamos a partir da sociedade real, física.
A ciberexistência bios midiatizada e enredada de hoje é, portanto, produto da existência física cotidiana. Não há sentido, portanto, imaginarmos e preservarmos uma vida ciber, sem preservarmos a vida física do e no planeta. Para ciberexistirmos, midiatizados e em rede, precisamos preservar a nossa própria existência terrena. Portanto, é função do ciberexistente, a defesa da sua própria condição humana de existência. E por essa defesa passa, irrefutavelmente, a defesa do planeta.

A educação e a comunicação são fundamentos da ciberexistência e da defesa da vida e do planeta. E é exatamente aí que eu chego ao terceiro ponto que gostaria de expor: como construir um caminho para que o ser ciberexistente interfira sobre o outro e sobre o planeta como defensor de uma cidadania planetária, a única que nos interessa hoje?
Talvez existam várias maneiras de se construir esse caminho, mas um parece-me essencial: por meio da intelectualidade que pode ser construída na educação e na mídia. Somente o ser intelectualizado, educado e informado, pode abandonar a acachapante leniência do ser hiperculturalizado, que é um ser apressado, superficial e individualista, e agir não apenas como consumidor de idéias e produtos, mas sobretudo como cidadão da Terra.
No começo deste mês o site americano Sience Daily, divulgou os resultados de uma pesquisa da GfK Public Affairs e da Universidade Yale que constatou que mais de 70% dos americanos estão dispostos a pagar mais impostos para custear iniciativas do governo para reduzir o aquecimento global. De acordo com o estudo, 74% dos americanos poderiam apoiar a criação de leis determinando que todas as novas casas fossem mais eficientes em termos de energia e 72% deles disseram que apoiariam um aumento nas taxas mensais sobre as residências, caso o governo passasse a subsidiar a instalação de geradores de energia solar.
Não é suficiente aos países e aos seus povos serem consumidores, é fundamental sermos cidadãos!

NOTA: As partes I e II dessa discussão correspondem a uma transcrição editada de palestra proferida pelo autor no XI Encontro de Letras da Faculdade São Bernardo do Campo (São Bernardo do Campo – SP), em 10 de outubro de 2007.

11 comentários:

Flávio Mello disse...

Olá...

tudo bom...? espero!

então..., não vou escrever nada ainda sobre o texto, primeiramente me vejo obrigado a lhe dizer uma palavras... depois irei imprimir, ler e só assim... lhe dizer algo sobre ele.

gostei muito do primeiro dia de aula na pós... eu estava meio que com um pé e meio fora... mas... mudei de idéia... sua postura é ímpar... muito legal... forte abraço e té... depois posto aldo importante... abraço

Flávio Mello disse...

Fala Mestre... muito boa a aula... montei o blog, ia fazer pelo meu antigo... mas acho melhor não misturar as rádios... então... obrigado pela aula... muito boa... vc é ímpar e muito bom... abraço e té...

depois de ler o texto com calma eu volto e posto algo melhor... rsrsrs

Flavio Vicente disse...

Ênio, é quase impossível hoje em dia não adotarmos uma postura mercantilista quando se trata de "tecnologias" - isto é um fato! Mas acredito piamente ser possível adotar uma postura de cidadão planetário sem nos rendermos ao bios midiático, outrora visto como um produto indispensável incorporado em nosso dia-a-dia. Eu, particularmente, sou um adepto-dependente destas novas tecnologias (e as venero!), mas acho pertinente RE(pensar) o que seríamos se elas não existissem. Viver como um Bill Gates e pensar como uma Cora Coralina. Abraços e parabéns pelo artigo!

Luiz Gustavo Pacete disse...

Enio montei o blog, por favor dê uma olhada na proposta : aovivodoglobo.blogspot.com e se possível dê uma olhadinha no blog que eu já possuia: gluiz17.blogspot.com

Jornalismo e muito mais... disse...

Professor dá uma olhada neste blog: http://aovivodoglobo.blogspot.com/ veja se está dentro da sua proposta de aula, eu escolhi a Bolívia somente como teste, mas creio que vale a pena desenvolver um tema sobre esse país, a idéia é que depois das aulas o blog passe a falar de diversos países...

Anônimo disse...

Professor, é o Luiz, aluno do 4o semestre de JO. Preciso saber seu e-mail pessoal antes da aula de sexta-feira. Como faço?

Um abraço

Antonio Pestana de Freitas disse...

Ênio, é interessante a diferenciação entre um ser intelectualizado e o outro hiperculturalizado - parece que o primeiro deixou-se ser moldado pelos aspectos positivos de todo tipo de conhecimento a que tenha acesso e o outro apenas se utiliza do conhecimento segundo uma pré-visão que já possui do mundo e nesse sentido é um "consumidor de idéias" alheias, auto-alimentando-se,estéril para produzir algo benéfico para a sociedade.Hoje é muito positivo a atitude de estar aberto ao conhecimento no sentido de sermos cada vez mais humanos.

Rafael,Thayná e Gabriel. disse...

Boa noite Enio!
Não sabiamos onde falar com voce, então achamos melhor avisar por aqui. Fizemos duas postagens no nosso blog sobre a China e iremos fazer mais. Confira e fale o que acha ok???

Beijos e abraços!

Idéias da Karoll disse...

Ah, te encontrei! E tenho boas notícias. Consegui copiar todo o conteúdo do meu ex-blog "praticasevertentes" o qual "alguém" alterou minha senha, porém ele ainda existe. Como a senha do meu ex-e-mail tb fora alterada e fiquei com dor de cabeça, criei outro: "ideiasdakaroll.blogspot.com" com o mesmo conteúdo, igualzinho, viu!
Peço por favor, postar comentários nele.
Ah, estou corrigindo os erros...
e muito obrigada, Professor!
Bj,
Karoll.

Lino gonzaga disse...

Olá Enio, td bem? Obrigado pelos comentários. Nossa! Você nem faz idéia como estou curtindo, sinto-me que "ciberexisto" (rs)Eu era totalmente alienado a questões tecnológicas, embora goste muito, acredito que precisava deste incentivo, desta motivação e suas aulas despertaram e despertam isso em mim, além de novos amigos que fiz e estou fazendo. Precisamesmo deste tempo para mim e estudar é smepre muito bom. Obrigado pelas aulas, pelas dicas e sugestões de atividades. Fiquei tão feliz por conseguir colocar o video (entrevista)que coloquei até o da Rita Lee....tô "curtindo" muito....Obrigado e espero ter oportunidades em trabalharmos juntos novamente na pós.Abç

Clau Soares disse...

Olá Ênio,
saudades de suas aulas e da inteligência sutil, porém objetiva.
Claudioneide - Maceió/AL