segunda-feira, 1 de setembro de 2003

Dos ‘tipos móveis’ às ‘fluidas letras do vídeo’’: ensaio

Enio Moraes Júnior

Introdução

Este ensaio tem por objetivo compreender o pensamento de alguns estudiosos formuladores do alicerce do que, a partir do século passado, passa a ser considerado, com maior clareza, o pensamento jornalístico brasileiro. Para isto, tomamos como referência o trabalho dos alemães Tobias Peucer, que desenvolve seus estudos na primeira metade do século XVII, e Otto Groth (1883 - 1965); dos norte-americanos Robert E. Park (1864-1944) e Walter Lippmann (1889-1974) e dos latino-americanos Gustavo Adolfo Otero (1896-1958) e Octavio De La Suarée (1903-1994), ao lado do brasileiro Carlos de Andrade Rizzini (1898-1972).
Embora as atividades de comunicação nas sociedades sempre tenham sido uma referência da história e dos estudos dos grupos sociais, a atividade jornalística tal como a conhecemos hoje data de um período posterior à Revolução Francesa. É, portanto, a partir daí, que podemos falar numa atividade jornalística propriamente dita, já que a nova sociedade capitalista é que vai forjar as condições para o desenvolvimento e sedimentação das empresas de comunicação.
Ainda que os clássicos da Antiguidade ocidental já tivessem estudado e formulado considerações sobre a Oratória e a Retórica, somente algum tempo depois, com a consolidação dos Estados nacionais e o estabelecimento do poder burguês, no cenário do novo modo de produção, os estudos sobre o jornalismo começam - pela sua própria natureza política - a despertar maior atenção.
É a partir das três últimas décadas do século XIX que começa a ser elaborada, de forma sistematizada, uma formulação para as questões comunicacionais. (1) Apesar de, como observa Marques de Melo (1983: 07-8), todo este tempo de estudo não ser "suficiente para permitir uma precisão conceitual sobre essa atividade da comunicação coletiva", muitas contribuições significativas foram forjadas em diversas regiões do planeta influenciaram os estudos que hoje se consubstanciam no pensamento jornalístico brasileiro.

Raízes Européias

Ao tentar entender a natureza do jornalismo, o alemão Otto Groth, discípulo de Max Weber, produziu, nos anos 60, um relevante trabalho, ainda que se atendo - como seria natural, aliás, para sua época - a análises e considerações sobre a mídia impressa. Na Alemanha de sua época, a partir do âmbito da Publicística, Groth procura desvincular a Periodística, dando a esta última uma referência específica. (2) A contribuição do autor vem no sentido de elaborar um arcabouço teórico para formular e sistematizar as concepções de uma "ciência do jornalismo".
Para o autor, no momento cultural de sua época caracteriza-se a aparição da nova ciência que, para ser reconhecida "como nova e independente", deve ter seu próprio objeto e métodos.
Groth estabelece, então, que o objeto da "ciência do Jornalismo" seriam os jornais e as revistas . Com relação ao método, para Groth, "(...) determinado o objeto, estabelecida a área de estudo, o método surja espontaneamente como um imperativo e uma necessidade do próprio processo de investigação" (BUENO, 1972: 09).
Ao apontar o Jornalismo como uma ciência, Groth descarta a possibilidade que ele seja tratado como uma técnica e aponta quatro elementos como característicos do Periodika: periodicidade, atualidade, universalidade e difusão. Para ele, a periodicidade não se refere apenas à freqüência rigorosa com que uma determinada edição da publicação é lançada, mas significa, sobretudo, como o jornalismo interfere no "ritmo de vida" das pessoas nas comunidades, representando, inclusive, comportamentos e padrões econômicos, políticos, sociais, culturais e psicológicos de cada grupo.
A universalidade diz respeito à abrangência e, conseqüentemente, à heterogeneidade com que o jornalismo seleciona e apresenta os fatos. No entanto, "(...) la Universidad tiene sus peligros. Lo mismo que puede hacer superficial al periodista, puede hacerlo con al lector", adverte Groth (BUENO, 1972: 17).
A atualidade, considerada a grande característica do jornalismo, diz respeito aos fatos, para o conjunto dos leitores, novos. Neste sentido, o autor deixa claro que ela se diferencia da novidade, já que esta é um aspecto subjetivo; individual.
Finalmente, a difusão corresponde ao acesso do público à informação. Para Groth, a difusão pode assumir um caráter preferencialmente vertical (difusão intensiva) ou horizontal (difusão extensiva). No primeiro caso, ela é "social" e diz respeito às camadas sociais que atinge a publicação. No segundo, é "temporal ou geográfica" e leva em conta as regiões atendidas pela publicação. Importante notar que, com respeito a estes dois modelos de difusão, o autor considera que elas são inversamente proporcionais: quanto mais circula um jornal numa dada região, mais ele tende a concentra-se em determinadas classes sociais e vice-versa.
Dos quatro conceitos desenvolvidos por Groth, talvez a periodicidade mereça algumas ressalvas já que, o rádio e a TV e, mais recentemente, a Internet, trabalhem em função da instantaneidade. É o acontecimento em real time, sem uma periodicidade definida para ira ao ar, mas ao sabor dos acontecimentos que interessam ao público.
Somado a isto, alguns estudiosos que entende o jornalismo no âmbito da linguagem apontam algumas lacunas nesta linha de pensamento. Mayra Rodrigues Gomes (2000: 19) observa que "antes de registrar, informar, antes de ser colocado pelas condições que o caracterizam, por exemplo, periodicidade, universalidade, atualidade, difusão, categorias que nos são dadas por Otto Groth, o jornalismo é ele próprio, um fato de língua".
De todo modo, as considerações do autor alemão continuam exercendo forte influência no pensamento comunicacional. Para Marques de Melo (3) (1983: 14) "(...) continuam atualíssimas as diretrizes estabelecidas por Otto Groth para comprovar a identidade teórica e a autonomia metodológica da ciência do Jornalismo, não obstante toda sua argumentação tenha tomado como ponto de referência o jornalismo impresso, ou melhor, o Periodik".
Se estabelecermos um diálogo com Groth e outro estudioso alemão, Tobias Peucer, que viveu no século XVII, portanto, quase 300 anos antes, podemos pensar numa possibilidade da atemporalidade da obra deste último.
Na verdade, Groth, assim como Weber, teve em Peucer um precursor de seu pensamento. Peucer e outros estudiosos da Periodística da época colocam a Alemanha como precursora dos estudos da comunicação e da informação. O autor, em sua tese de doutorado defendida na Universidade de Leipzig, em 1690, apresenta um verdadeiro tratado de jornalismo que pouco - ou nada - fica a dever aos manuais de redação e estilo que proliferam a partir de meados do século XX.
O autor aponta que "a matéria" com a qual devem se preocupar os periódicos "são as coisas singulares, fatos realizados por Deus através da natureza, ou pelos anjos, ou pelos homens na sociedade civil ou pela Igreja" (2000: 206). Ora, aí o autor começa a apresentar e caracterizar a notícia jornalística. E aponta mais adiante: "(...) como estes fatos são quase infinitos cabe estabelecer uma seleção de modo que seja dada preferência aos axiomneunóneuta, ou seja, àqueles que merecem ser recordados ou conhecidos" (2000; 206). Ora, eis o princípio da edição.
E mais adiante observa: "(...) tudo isto costuma ser narrado de forma embaralhada nos periódicos, como uma história confusa, para que a alma do leitor receba o impacto de uma amena variedade" (2000; 207). Desta forma, o autor introduz o conceito de mosaico que vai caracterizar a disposição do material jornalístico na mídia impressa e mais, o caráter comercial e "impactante" que deve ter a informação.
Além disso, Peucer aborda também questões relativas à ética, à censura, à redação e à linha editorial das publicações impressas. E mais: ao apontar a utilidade e a amenidade como finalidades do jornalismo, antecipa o conceito que mais tarde viria a ser retomado por autores como Marques de Melo (1983), Juarez Bahia (1990) e Mário Erbolato (1991) para caracterizar e discutir as categorias do jornalismo, mais precisamente o jornalismo informativo e diversional.

Raízes Norte-Americanas

Apesar da relevância e primazia dos estudos alemães, não são só os pensamentos europeus, mas também os norte-americanos, vão plasmar a cultura e o pensamento jornalístico no Brasil.
Com uma grande influência alemã sobre seus padrões acadêmicos, (4) sobretudo de pós-graduação, é nos primeiros anos do século XX que surgem as primeiras escolas de Jornalismo norte-americanas: a Escola de Jornalismo de Missouri, em 1908, e a Escola de Jornalismo de Columbia, em 1912.
O ensino do jornalismo nos EUA tem início, vale ressaltar, estimulado pela crescente demanda da informação jornalística como mercadoria, onde ganhava terreno, inclusive, o sensacionalismo. A preocupação de conter e de limitar a explosão comercial dos jornais e lhe dar as centelhas da responsabilidade social estimulam o aparecimento das escolas. Por outro lado, há quem aponte também, neste quadro, a intenção de se formar profissionais que, imbuídos pela ideologia dominante, fossem capazes de exercer o controle político dos meios.
É, no entanto, a década de 20 que marca um período de franca expansão do ensino de jornalismo na América. Neste momento aparecem também as contribuições e os estudos dos funcionalistas sobre o fenômeno da comunicação. Afinal, este é um período de acelerado desenvolvimento da cultura e da sociedade de massa. Nos Estados Unidos, Hollywood sedimenta-se, com o cinema, como grande produtora ideológico-cultural e surgem as grandes corporações comunicacionais. Na Europa, ao mesmo tempo em que prolifera a indústria midiática, constroem-se as bases da Escola de Frankfurt, na Alemanha, que passa a difundir o conceito da indústria cultural.
Na primeira metade do século, uma contribuição importante para os estudos do jornalismo vem do norte-americano Robert E. Park, que trabalha a notícia como forma de conhecimento. Tomando como base os estudos do psicólogo William James e os conceitos de "conhecimento de" (intuitivo) e "conhecimento acerca de" (científico), Park conclui que este último, pela sua sistematização, é articulável e, portanto, comunicação. O autor, a partir desta análise situa aí a notícia, definida pelo interesse público, diferente de formas de comunicação persuasivas, que são assimiladas de forma intuitiva. Para ele, é a partir da notícia que surge a opinião pública (STEINBERG, 1966: 176):
"A primeira reação típica do indivíduo a uma notícia será, provavelmente, o desejo de repeti-la a alguém. Isso gera a conversação, desperta novos comentários e talvez uma discussão. Mas o que há nesse fato de singular é que, iniciada a discussão, o acontecimento discutido deixa de ser notícia e, sendo diferentes as interpretações de um acontecimento, as discussões se transferem do plano da notícia para o dos problemas que ela suscita. O choque de opiniões e pareceres, que a discussão invariavelmente evoca, termina, via de regra, numa espécie qualquer de consenso ou opinião coletiva - que nós denominamos opinião pública. É na interpretação dos acontecimentos presentes, ou seja, da notícia, que se funda a opinião pública".
Esta relação, no entanto, entre notícia e opinião pública, já havia sido estudada alguns anos antes pelo também norte-americano Walter Lippmann. Jornalista norte-americano de grande atuação em pesquisas de opinião nos Estados Unidos da primeira metade do século passado, Lippmann constituiu uma das mais respeitadas obras de estudos da cultura de massa e opinião pública da época, com ressonância até hoje.
A sua grande contribuição está na "desmistificação" da crença de que a mídia e, por extensão, o jornalismo, trabalha com a representação fiel dos acontecimentos e do mundo. Assim, para o autor, a mídia termina por determinar uma outra realidade.
A notícia seria, para o ele, definida pela relevância do acontecimento no contexto social. Para Lippmann "a notícia não é um espelho das condições sociais, mas o relato de um aspecto que se impôs". É seguindo esta linha de pensamento, que o autor aproxima os conceitos de notícia e opinião pública (STEINBERG, 1966: 197):
"A notícia que não oferece ao leitor a oportunidade de entrar na luta que ela descreve não pode interessar a um grande público. É preciso que o público participe da notícia, como participa do drama, pela identificação pessoal... Assim como toda a gente sustém a respiração quando a heroína está em perigo (...) assim, de maneira mais sutil, entra o leitor na notícia".
Em sua teorização, ele destaca o papel o assessor de imprensa e das relações públicas. Segundo ele (STEINBERG,1966: 194):
"A expansão do assessor de imprensa é um claro sinal de que os fatos da vida moderna não assumem espontaneamente uma forma em que possam ser conhecidos. Urge que alguém lhes dê essa forma, e como, na rotina cotidiana, os repórteres não podem dar forma aos fatos e existem poucas organizações informativas desapaixonadas, as partes interessadas estão provendo a necessidade de certa formulação".
Por conta destes estudos, Lippmann é também considerado um dos primeiros formuladores (senão, o primeiro formulador) dos estudos do que hoje conhecemos como a agenda-setting. No entanto, a formulação clássica do conceito surge nos Estados Unidos em finais da década de sessenta com Maxwell E. McCombs e Donald L. Shaw.
O enunciado abaixo, de autoria de Shaw, apresenta bem a essência do conceito:
"(...) em conseqüência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas têm tendências para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a atribuir àquilo que esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas". (Wolf, 1994; 130).

O Pensamento Latino-Americano

O pensamento e o modelo acadêmico norte-americano, bem como os estudos produzidos na Europa, influenciaram também as análises da comunicação e do jornalismo na América Latina. Neste cenário, vale destacar o papel da Escola Latino-Americana de Comunicação (ELACOM) que, especialmente a partir de meados do século XX, tem aglutinado pensadores e discussões realizadas no continente.
Merecem menção especial três precursores do pensamento latino-americano que desenvolveram seus trabalhos e pesquisas entre os anos 30 e 50 do século XX. Neste sentido, o boliviano Gustavo Adolfo Otero, o cubano Octávio De La Suarée e o brasileiro Carlos Rizzini são aqui assinalados com o intuito de se construir uma síntese das origens e influências forâneas nas reflexões nacionais sobre o jornalismo.
Em recente estudo realizado e publicado, Paulo da Rocha Dias (2001: 125) parte da obra principal de cada um dos autores e busca estabelecer os pontos que possam apontá-los como precursores dos estudos latino-americanos na área de comunicação.
Para o autor, enquanto o grande mérito da obra de Rizzini e Otero são seus matizes historiográficos, o trabalho de La Suarée, a exemplo de Groth e Park, tem o grande mérito de propor um entendimento científico do jornalismo. Todos os três autores constituindo, portanto, importantes fontes para as pesquisas sobre comunicação e jornalismo que começar a ganhar corpo, especialmente na América Latina, a partir da segunda metade do século XX.
A obra de Otero - La cultura y el periodismo en America -, publicada inicialmente em 1953, corresponde a um estudo sobre o jornalismo em 21 países latino-americanos, inclusive o Brasil. No texto, o autor pretende incluir a evolução do jornalismo no próprio contexto do desenvolvimento e urbanização do continente. Eis aí a relevância e abrangência de sua obra.
De La Suarée, em Socioperiodismo, publicado em 1948, é o primeiro do grupo a apresentar um entendimento do jornalismo como ciência. E está aí a sua grande contribuição ao pensamento latino-americano. Na ciência socioperiódica, o autor toma como base a sociologia, apoiadas pela psicologia e pela ética, para compreender o jornalismo.
A grande contribuição de Rizzini aparece na obra O livro, o jornal e a tipografia no Brasil, 1500-1822: um breve estudo geral sobre a informação, publicada em 1946. Neste trabalho, é reputado ao autor o grande mérito de produzir uma obra pioneira na moderna bibliografia de comunicação que serve, até hoje, como referência histórica e analítica para discussões do tema. No entanto, como observa Rocha Dias (2001: 140), "O lugar de precursor que cabe a Rizzini para os estudos brasileiros de comunicação, cabe com mais propriedade a Otero e La Suarée para os estudos latino-americanos".
No Brasil, as pesquisas em Jornalismo têm origem nos institutos históricos, no final do século XIX. Nos periódicos do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro da época constam "(...) os resultados das investigações realizadas por Moreira de Azevedo, Max Fleiuss, Vale Cabral, Alfredo de Carvalho, Barão de Studart, Craveiro Costa, Afonso de Freitas e tantos outros que resgataram o desabrochar da nossa imprensa e suas transformações" (MELO, 1985: 58). De qualquer forma, Rizzini constitui um caso a parte das pesquisas comunicacionais no país. Na medida em que, tendo o jornalismo como objeto próprio, o autor acende as primeiras centelhas para uma midiologia brasileira que ganha contornos acadêmicos nos anos 60.

Conclusão

"No alvorecer do século XXI, o campo brasileiro das ciências da comunicação precisa globalizar-se altaneiramente, proclamando aquela atitude de autonomia regional - nacional peculiar aos levantes emblemáticos do início do nosso século XX: o Movimento Regionalista, inspirado no Recife por Gilberto Freyre, e a Semana de Arte Moderna, liderada em São Paulo por Mário e Oswald de Andrade".
José Marques de Melo (2003: 243)
As raízes forâneas do pensamento comunicacional brasileiro constituem uma síntese do todo um pensamento forjado sobre a comunicação no mundo ocidental desde a Antiguidade. Os pensadores aqui trabalhados - os alemães Peucer e Groth; os funcionalistas norte-americanos Lippmann e Park e os latino-americanos Otero, De La Suarée e brasileiro Rizzini - produziram, sem dúvida, uma obra influente sobre o pensamento comunicacional brasileiro ao oferecer chaves para uma sistematização e um caminho para a ciência do jornalismo.
Ao lado de outros pensadores - como, por exemplo, os frankfurtianos Theodor W. Adorno, Max Horkheimer, Walter Benjamim, Hebert Marcuse e, mais recentemente, Jürgen Habermas - estes os autores compõem um cenário mais amplo sobre o pensamento comunicacional ocidental e que, por sua vez, tem forte ressonância sobre o pensamento comunicacional brasileiro.
Porém, retomando o início deste texto, observamos que, em todo o mundo, apesar de quase dois séculos de estudos, este tempo não se mostrou bastante para imprimir ao jornalismo uma precisão conceitual. Talvez, observa Marques de Melo (1983; 08):
"A justificativa não está apenas na circunstância de que são fenômenos sociais e, portanto dinâmicos, mas na essência mesma do jornalismo que se nutre do efêmero, do provisório, do circunstancial, e por isso exigem do cientista maior argúcia na observação e melhor instrumentação metodológica para que não caia nas malhas do transitório".
A isto pode ser acrescentado o acelerado ritmo com que se desenvolvem historicamente as tecnologias de comunicação. Especialmente o século passado representou, para muitos teóricos do comportamento e da comunicação, um período de franco desenvolvimento dos mass media. "(...) o traço distintivo do século XX é o fenômeno da comunicação de massa", afirma Charles Steinberg (1966: 11). O século XXI, ao que parece, não deve ser diferente.
Por paradoxal que seja, este quadro de incertezas mundial representa avanços que se caracterizam, especialmente, na união de estudiosos e pesquisadores da comunicação e do jornalismo em torno de seu objeto comum.
Nos diversos continentes, ao longo do século XX, eclodiram escolas, pesquisas e estudos sistemáticos destinados a lançar luzes sobre o fenômeno da comunicação. Ao mesmo tempo, a própria dinâmica do fenômeno e o surgimento de novas mídias - como a Internet - têm estimulado, em todo o mundo, novas e renovadas discussões não só sobre o conceito do jornalismo e da notícia a partir da própria cultura que emerge nas sociedades contemporâneas.
Parafraseando Pierre Lévy (1999: 247), não podemos considerar a Internet apenas "uma subcultura dos fanáticos pela rede". A cibercultura, mais que isto, é uma "mutação fundamental da própria essência da cultura". Neste sentido, cabe-nos refletir - ou melhor, continuar refletindo - sobre a interferência deste novo quadro no contexto do jornalismo e no conceito da sua matéria prima: a notícia. Afinal, a agilidade e as novidades da informática obrigam-nos a rever e reformular conceitos. É neste contexto que o professor Pedro Celso Campos (2001) aponta:
"(...) nos meios acadêmicos debate-se o papel do produtor de notícias dentro do contexto empresarial dos meios de comunicação. Num mundo eletronicamente globalizado, onde textos e imagens digitalizadas viajam vertiginosamente em torno do planeta através dos satélites e das fibras óticas, sendo "decodificadas" na outra ponta através das mais variáveis interfaces que tanto podem ser um minúsculo telefone celular, como uma enorme impressora de jornal comandada à distância, ou ainda um monitor de TV ou de computador, ou um aparelho de rádio, pergunta-se qual o espaço que sobra, afinal, para o jornalista, para o profissional encarregado de produzir, processar e emitir o discurso. Um discurso que já não pode ser meramente informativo porque também precisa ser interpretativo. Um discurso que envolve a necessidade de opinar - porque este é um dever do comunicador que deseja prestar serviço ao receptor. Um discurso que não pode descuidar, ainda, da sua finalidade lúdica, enquanto texto "recreativo" para amenizar o stress desse náufrago cercado de informação por todos os lados que é o homem do século XXI".
O novo contexto da economia mundial capitalista, que passa a sedimentar-se a partir de meados dos anos 80, reforça a ambigüidade da comunicação, cada vez mais identificada como mercadoria, como observa Miège (2000: 130). É exatamente neste contexto - em que "os pesados tipos móveis se converteram em fluidas letrinhas que piscam no vídeo" (CAMPOS, 2001) - que os estudos da comunicação do novo século, inclusive no Brasil, terão que apreender e sistematizar o funcionamento e o destino do jornalismo.

Notas
(1) Ainda que os estudos de jornalismo só fosse se estruturar a partir do final do século XIX, eles têm início em 1806, quando a Universidade de Breslau, na Alemanha, realiza o primeiro curso na área.
Para Groth, enquanto a Publiística abarcava, de modo geral, o conjunto da comunicação social (especialmente a Opinião Pública) a Periodística passa a tratar apenas do jornalismo.
(2) Na verdade, além dos jornais e revistas, o autor assinala também as 'blatter' (espécie de revistas típicas da Alemanha da época) como objeto dos estudos do Jornalismo.
(3) Para Marques, os quatro conceitos, na verdade se aproximam. No entanto, a periodicidade está mais diretamente relacionada à difusão e a univesalidade, à atualidade.
(4) Segundo Marques de Melo (1975: 12), "(...) o modelo alemão foi escolhido para as primeiras iniciativas do gênero dentro do sistema educacional dos EUA". Isto porque, para Marques, a Alemanha havia se convertido, "(...) pouco a pouco, na Meca dos schoolars norte-americanos, calculando-se que até fins do século passado (século XIX) cerca de 10.000 ali se matricularam, dos quais metade realizou estudos de pós-graduação".

Bibliografia
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